Grãos de Areia na Praia

Se a ciência pudesse contar quantos grãos de areia existem no mar… Assim começa muita retórica obscurantista vazia. Menosprezar a busca do conhecimento é uma tática milenar que os líderes religiosos empregam para mostrar a si mesmos como a melhor, se possível única, cereja do bolo. Desqualifique as explicações e lucre com a confusão. Assim vive a religião, há tanto tempo que ninguém sabe contar. Como toda retórica vazia, esta também se baseia num erro conceitual. Isso não tem muito importância para quem dela se […]

No Mundo em que Vivo

No mundo em que vivo poesia não é mais necessário, flores são somente formas toleráveis. Talvez por isso seja tão urgente que perpetre poesia, que irresponsavelmente plante cores. Com a futilidade frágil de uns versos insisto contra a sólida imagem de coisas brutas que venceram e cuja impermeável razão de ser forma o alicerce de minha casa. Pensem nisso se me virem por aí, falando só, olhando vago. Estarei meditando meu próximo atentado contra a cinza escuridão que me enxerga e que envergo como um […]

Pássaros Negros

A única conexão que eu consigo fazer é entre o desaparecimento dos pardais e o surgimento destas avezinhas negras que infectam nossos carros com seus excrementos azulados, cheios de ácido clorídrico, capazes de estragar a mais resistente das pinturas e arranhar os vidros quando escorrem. Inútil dizer que afugentar estas pestes está sendo bastante difícil. Nosso governo ainda não se deu conta da gravidade do perigo que os Pássaros Negros representam para a nação porque eles parecem estar vindo das profundezas do mundo esquecido e […]

Vamos estar odiando gerundismo

Vamos estar odiando gerundismo até você estar parando de estar me incomodando. Enquanto isso estamos sugerindo que você esteja lendo alguma coisa que não esteja sendo os manuais de telemarketing que você tem estado lendo. Para o caso de você não estar entendendo porque estamos achando gerundismo tão irritante estamos sugerindo que você esteja lendo conosco até o fim. Se a sua paciência estiver aguentando é porque você não está prestando atenção ou então você não está sendo mais capaz de estar sentindo porra nenhuma. […]

O Monstrinho no Armário

Júlia era uma menina cheia de manias. Principalmente era cheia de manias ruins ou esquisitas. Manias que aprendia de seus colegas, parentes, vizinhos, etc. Recentemente Júlia aprendeu a chorar. Nas primeiras vezes ela chorou naturalmente. O choro que as crianças choram quando perdem ou quando não acham, quando não têm ou quando quebram, quando querem e não podem ou quando não querem e têm que fazer. Mas a mãe de Júlia não tinha paciência e tinha tanta pressa em se livrar logo do choro da […]

Teresa e o Pônei

Teresa era uma menina de apartamento. Como toda criança ela gostava de bichinhos, não só dos de pelúcia mas dos de verdade também. Teresa gostava muito de passarinhos e de cavalos: seu grande sonho era um dia poder cavalgar um pônei pelo pasto afora, sentindo o vento nos cabelos e o sol no rosto. Mas o apartamento é um lugar pequeno: ali não dá para ter um cavalo. Coitado do bichinho! Onde ele pastaria? Em que riacho poderia brincar? Teresa até pensou em pedir que […]

O Fascínio das Papelarias

Quando eu estudava, ainda não existiam essas pequenas maravilhas eletrônicas que hoje caracterizam nosso dia-a-dia. Pesquisas eram feitas em bibliotecas empoeiradas — o bibliotecário era tido como um repositário de saber, reverenciado. Os trabalhos eram penosamente manuscritos, depois transcritos à máquina ou simplesmente passados a limpo por quem tivesse letra bonita. E o trabalho de rascunhar era ainda mais dificultado pelo tipo de material com que tínhamos de trabalhar. Há vinte anos, não existiam mais que quatro marcas de caneta esferográfica (Bic, FaberFix, Compactor e […]

Reflexos da História em Abril

Em Marte talvez não exista mais nem consciências e nem um céu anil. Que bom que eu não vou voltar mais lá em nenhuma outra encarnação. Na corte de Babilônia o destino sobe pelas paredes e os valores caem por terra. Quando os dedos de Javé resolvem, outra vez o rei se torna analfabeto e o destino cobra pelo atraso. Os homens de Atenas, os que mataram os filósofos, tinham toda razão: a liberdade não é um cidadão. Originalmente escrito em 1º de abril de […]