Popularidade, Plágio e Advogados

Quando perdemos a noção de nossos direitos, pode às vezes parecer opressão quando querem nos entregar aquilo que devia ser nosso [sugestão de cena ilustrativa: um faquir se recusando a receber pagamento pela sua apresentação]. Às vezes nos acostumamos tanto a entregar de graça o que nos é tão caro, que chamamos de prostituição quando pensam em pagar-nos. Estas duas frases me vieram à mente a propósito de um [texto publicado hoje no “Bacia das Almas”]) pelo +Paulo Brabo. O autor está perplexo porque recebeu uma […]

O Preço da Passagem [3]

Não percebi quantos dias passei naquele lugar. Dizem-me que foram cinco. Nos primeiros dois ou três o homem do quepe tentou extrair de mim alguma informação sobre as pessoas com quem estivesse envolvido. Mas de alguma forma, segundo consta dos relatórios a que hoje tenho acesso, graças ao habeas data, eu apenas circulava em torno da ideia de ter entrado em algum barco em companhia da falecida Jurema, de ter saído sozinho e a deixado lá. Assinado um tal Tenente Cavalcanti.

O Preço da Passagem [2]

Tardou ainda por algum tempo incontável, mas não demasiado que nos desesperasse. Soou uma outra buzina de navio indo para o mesmo lado do primeiro. Ouvimos o já conhecido chapinhar de pás, sentimos o farfalhar das roupas da multidão, talvez ansiosa, acendeu-se a trêmula luz vermelha de uma lanterna e o batel encalhou na areia. Desceu o barqueiro vestido da mesma maneira monacal que os anteriores, o rosto recoberto pela sombra de uma dobra de tecido — e dentro dela um brilho desagradavelmente avermelhado e solitário.

Fulano de Tal: Poeta e Escritor

Você já deve ter visto antes nas redes sociais: autor semiprofissional ou totalmente amador lança seus livros, lança saite, ou lança palavras na poeira, como eu. Todos procuram um lugar ao sol, mas nem todo mundo tem uma boa assessoria ou uma boa noção do que dizer. O resultado é que esses autores coloquem frequentemente os pés pelas mãos, ou digam bobagens achando que são naturais.As bobagens, curiosamente, sempre se repetem. Não há bobagens ditas isoladamente por uma única pessoa. Uma dessas bobagens que eu vejo frequentemente repetida é a expressão “poeta e escritor” (ou vice versa). O que passava pela cabeça de quem concebeu isto pela primeira vez?Antes que venham me dizer que existe uma razão de ser para isso, eu preciso seriamente indagar a quem pretenda defender esta discriminação:Acaso poetas não são escritores?

O Preço da Passagem [1]

A última coisa que vi na noite escura de 26 de abril de 1967 foram luzes azuis e vermelhas no retrovisor. “Malditos milicos, nos acharam!” — pensei e acelerei na vã esperança de fugir, mas logo perdi o controle em uma curva fechada da estrada para Araruama. Jurema gritou e se encolheu, o carro atingiu a sebe com um baque e um farfalho, tudo muito rápido, e caímos pela ribanceira. Apenas tive tempo de pensar que muitos anos depois da ditadura talvez nos considerassem mártires estudantis e dessem indenizações a nossas famílias. A ironia disso me fez suportar tudo sorrindo, enquanto o rádio do Aero Willys tocava Beatles rumo ao abismo: *She’s got a ticket to ri-i-i-de, but she don’t care…*

Nova Série: O Preço da Passagem (Introdução e Índice)

Em fins de 2008 compartilhei na comunidade literária “Novos Escritores do Brasil” um texto curto intitulado “Ticket to Ride” (infelizmente perdido) no qual eu desenvolvia uma curta história sobre dois (ou quatro) subversivos perseguidos pela polícia nos tempos do regime militar. Este texto, após uma extensa revisão, acabou saindo na coletânea “Sinistro”, da Editora Multifoco, em uma versão condensada que nunca me satisfez plenamente (nada por culpa da editora, apenas percebi tardiamente que o conto precisava de um desenvolvimento mais completo, e que a versão condensada que eu mesmo fizera não conseguia ter a força necessária).A condensação que fiz, a pedido do +Frodo Oliveira, editor da coletânea, aproveitava o desfecho que eu escrevera para uma versão anterior do conto, e tinha cerca de 30% de texto a menos. Na época eu achei que era uma boa opção, pois eu tinha medo que o texto ficasse ilegível de tão grande (hoje em dia já tem quem fale em “literatura no twitter.com”). Hoje mudei de ideia, e por isso aqui estou restaurando a versão original, imensa e mais complexa.Sobre esta complexidade, um dado chamará a atenção do leitor: existem dois desfechos dentro da história, um passado e um presente, e duas técnicas narrativas que se sucedem. Talvez este seja o meu conto mais ousado em termos de concepção estrutural. Tão ousado que deixou de ser conto e virou uma noveleta (termo que eu não conhecia em 2009, época em que o publiquei na dita coletânea).Parte 1Parte 2Parte 3

O Cenário como Elemento Central da Ficção de Clark Ashton-Smith [2]

Como vimos anteriormente, caro leitor, em nossa análise do conto A Paisagem com Salgueiros, as obras de Clark Ashton-Smith diferem da maior parte da tradição literária ocidental por colocarem em primeiro plano a construção do cenário, a ponto de o autor frequentemente transformar o próprio cenário em um personagem (como no citado conto). Esta não é uma opção exclusiva sua, mas na época em que escreveu ainda eram poucos os autores que compartilhavam desta escolha. Mesmo nos gêneros fantásticos os autores, em sua ampla maioria, […]

Parabéns aos Jovens de Hoje

O planeta levou bilhões de anos para desenvolver vida. Depois levou mais uns bilhões de anos até produzir mamíferos. Mais algumas dezenas de milhões de anos para produzir primatas. Muitas centenas de milhares de anos para produzir hominídeos inteligentes. Dezenas de milhares de anos para produzir o primeiro instrumento musical. Muitos séculos para inventar a música polifônica. Mais alguns séculos para aperfeiçoar uma notação musical eficiente. Quase três séculos ainda para inventar a primeira forma de gravação sonora, o fonógrafo de rolo. Levou 10 anos […]

A Serpente com Asas

Dedicado +Félix MaranganhaConfesso que tive durante muito tempo uma certa resistência preconceituosa contra a tatuagem. Coisa de marinheiros, de presidiários, de maconheiros, de nefelibatas, de mafiosos japoneses que amputam os próprios dedos. Nada que caiba no quadrado perfeito em que inscrevo minhas opiniões. O tempo, porém, foi me educando mais a respeito do tema e eu fui percebendo que há tatuagens e tatuagens… Algumas eu posso apensa desconsiderar, outras são realmente desprezíveis, algumas eu devo temer e a maioria é simplesmente sem sentido.

O Cenário como Elemento Central da Ficção de Clark Ashton-Smith [1]

Tem-se por inquestionável verdade que a concepção dos personagens é o elemento central da literatura de ficção em qualquer gênero. Sem personagens dotados de credibilidade e de moti­vações a história, por boa que seja, tende a fluir de uma maneira desconexa, de forma que os acontecimentos não apresentam sequencia lógica. Tanto é assim que não é raro que cer­tos personagens adquiram um relevo cultural muito maior do que o das obras em que apa­receram originalmente. Exemplos desse fenômeno são Romeu e Julieta, Hamlet, Cyrano de […]