Os Melhores Momentos Acontecem Depois

Fernando Pessoa escreveu em 1914 um poema chamado “Uns Versos Quaisquer”, que pode ser interpretado como um breve ensaio sobre a saudade, ou ainda melhor, sobre a “saudade falsa”, este sentimento que tanto faz parte da minha poesia (nem tanto da dele). Vive o momento com saudade dele      Já ao vivê-lo… Barcas vazias, sempre nos impele      Como a um solto cabelo Um vento para longe, e não sabemos, Ao viver, que sentimos ou queremos. A ideia de que o momento já deva ser vivido com […]

Sobre Animais e Pedestres

Ando pensando em reavaliar meus conceitos sobre a inteligência humana. Não bastassem as recentes descobertas que evidenciam que a maioria de nossos comportamentos são reações a estímulos determinados e que, conhecendo estes, é possível induzir àqueles, não cessam de surgir evidências, também, de que os bichos podem apresentar comportamentos muito mais racionais do que o de certos “senhores da natureza”. Eu tinha ido fazer compras enquanto minha mulher arrumava o cabelo em um salão de beleza. Enquanto procurava uma vaga para estacionar, parei diante de […]

No Açougue das Ideias

Começo a semana pensativo sobre muitos problemas pessoais, entre os quais um resfriado desses de ficção científica, e me deparo subitamente com mais chorumelas sobre como os escritores nacionais, tadinhos, são maltratados pelos leitores nacionais. O tema não é novo e nem é simples, o que é simples é a constatação de que muitas lágrimas já foram choradas nesse velório e ninguém enterra o defunto. Nem pretendo eu, não hoje, mas começo a “dar uns toques” às carpideiras de que é hora de fechar o […]

Paraísos Fiscais Artificiais

Entre todos os empregos do mundo, talvez os bancos sejam os que proporcionam o maior número de histórias curiosas, não só dos complexos relacionamentos entre os funcionários e a hierarquia, visível e invisível, mas também da interação com toda uma fauna de clientes e seus comportamentos surpreendentes. De vez em quando eu me lembro de algum episódio, ocorrido comigo ou com algum amigo e, se houver transcorrido suficiente tempo para dificultar a identificação do personagem, me disponho a compartilhar com os leitores. O episódio de […]

Popularidade, Plágio e Advogados

Quando perdemos a noção de nossos direitos, pode às vezes parecer opressão quando querem nos entregar aquilo que devia ser nosso [sugestão de cena ilustrativa: um faquir se recusando a receber pagamento pela sua apresentação]. Às vezes nos acostumamos tanto a entregar de graça o que nos é tão caro, que chamamos de prostituição quando pensam em pagar-nos. Estas duas frases me vieram à mente a propósito de um [texto publicado hoje no “Bacia das Almas”]) pelo +Paulo Brabo. O autor está perplexo porque recebeu uma […]

O Preço da Passagem [3]

Não percebi quantos dias passei naquele lugar. Dizem-me que foram cinco. Nos primeiros dois ou três o homem do quepe tentou extrair de mim alguma informação sobre as pessoas com quem estivesse envolvido. Mas de alguma forma, segundo consta dos relatórios a que hoje tenho acesso, graças ao habeas data, eu apenas circulava em torno da ideia de ter entrado em algum barco em companhia da falecida Jurema, de ter saído sozinho e a deixado lá. Assinado um tal Tenente Cavalcanti.

O Preço da Passagem [2]

Tardou ainda por algum tempo incontável, mas não demasiado que nos desesperasse. Soou uma outra buzina de navio indo para o mesmo lado do primeiro. Ouvimos o já conhecido chapinhar de pás, sentimos o farfalhar das roupas da multidão, talvez ansiosa, acendeu-se a trêmula luz vermelha de uma lanterna e o batel encalhou na areia. Desceu o barqueiro vestido da mesma maneira monacal que os anteriores, o rosto recoberto pela sombra de uma dobra de tecido — e dentro dela um brilho desagradavelmente avermelhado e solitário.

Fulano de Tal: Poeta e Escritor

Você já deve ter visto antes nas redes sociais: autor semiprofissional ou totalmente amador lança seus livros, lança saite, ou lança palavras na poeira, como eu. Todos procuram um lugar ao sol, mas nem todo mundo tem uma boa assessoria ou uma boa noção do que dizer. O resultado é que esses autores coloquem frequentemente os pés pelas mãos, ou digam bobagens achando que são naturais.As bobagens, curiosamente, sempre se repetem. Não há bobagens ditas isoladamente por uma única pessoa. Uma dessas bobagens que eu vejo frequentemente repetida é a expressão “poeta e escritor” (ou vice versa). O que passava pela cabeça de quem concebeu isto pela primeira vez?Antes que venham me dizer que existe uma razão de ser para isso, eu preciso seriamente indagar a quem pretenda defender esta discriminação:Acaso poetas não são escritores?

O Preço da Passagem [1]

A última coisa que vi na noite escura de 26 de abril de 1967 foram luzes azuis e vermelhas no retrovisor. “Malditos milicos, nos acharam!” — pensei e acelerei na vã esperança de fugir, mas logo perdi o controle em uma curva fechada da estrada para Araruama. Jurema gritou e se encolheu, o carro atingiu a sebe com um baque e um farfalho, tudo muito rápido, e caímos pela ribanceira. Apenas tive tempo de pensar que muitos anos depois da ditadura talvez nos considerassem mártires estudantis e dessem indenizações a nossas famílias. A ironia disso me fez suportar tudo sorrindo, enquanto o rádio do Aero Willys tocava Beatles rumo ao abismo: *She’s got a ticket to ri-i-i-de, but she don’t care…*

Nova Série: O Preço da Passagem (Introdução e Índice)

Em fins de 2008 compartilhei na comunidade literária “Novos Escritores do Brasil” um texto curto intitulado “Ticket to Ride” (infelizmente perdido) no qual eu desenvolvia uma curta história sobre dois (ou quatro) subversivos perseguidos pela polícia nos tempos do regime militar. Este texto, após uma extensa revisão, acabou saindo na coletânea “Sinistro”, da Editora Multifoco, em uma versão condensada que nunca me satisfez plenamente (nada por culpa da editora, apenas percebi tardiamente que o conto precisava de um desenvolvimento mais completo, e que a versão condensada que eu mesmo fizera não conseguia ter a força necessária).A condensação que fiz, a pedido do +Frodo Oliveira, editor da coletânea, aproveitava o desfecho que eu escrevera para uma versão anterior do conto, e tinha cerca de 30% de texto a menos. Na época eu achei que era uma boa opção, pois eu tinha medo que o texto ficasse ilegível de tão grande (hoje em dia já tem quem fale em “literatura no twitter.com”). Hoje mudei de ideia, e por isso aqui estou restaurando a versão original, imensa e mais complexa.Sobre esta complexidade, um dado chamará a atenção do leitor: existem dois desfechos dentro da história, um passado e um presente, e duas técnicas narrativas que se sucedem. Talvez este seja o meu conto mais ousado em termos de concepção estrutural. Tão ousado que deixou de ser conto e virou uma noveleta (termo que eu não conhecia em 2009, época em que o publiquei na dita coletânea).Parte 1Parte 2Parte 3