Tradução: A Vinda do Verme Branco, 3 (C. A. Smith)

Ele teria fugido da casa, sabendo que sua magia era totalmente ineficaz contra aquilo. Mas compreendeu que a morte estava na exposição direta aos raios do iceberg e que se deixasse a casa ele forçosamente entraria naquela luz fatal. E também compreendeu que ele só, entre os que viviam naquele trecho de lito­ral, tinha sido excluído da morte. Não podia supor a razão de sua exceção, mas concluiu por fim que era melhor permanecer paciente e sem medo, à espera do que lhe devesse acontecer.

De volta à sua câmara ele se ocupou de várias conjurações. Mas os seus famili­a­res tinham desaparecido durante a noite, abandonando os ângulos em que ele os postara, e nenhum espírito, humano ou demoníaco, deu resposta às suas per­guntas. E de nenhuma forma conhecida dos magos ele conseguiu aprender coisa alguma sobre o iceberg ou adivinhar um mínimo de seu segredo.

Então, enquanto trabalhava com seus truques inúteis, sentiu no rosto o sopro de um vento que não era de ar, mas de um elemento mais sutil e raro, frio como o éter lunar. Sua respiração o abandonou em agonia inexprimível e ele caiu ao chão em uma espécie de sono que era parecido com a morte. Nesta letar­gia ele teve a vaga impressão de ouvir vozes que pronunciavam encanta­men­tos desconhecidos. Dedos invisíveis que o tocaram com um frio dolorido, e foi imerso em uma radiância estéril que oscilava, como a de uma maré que vai e vem sem parar. Esta radiância era intolerável a todos os seus sentidos, mas ela aumentava devagar, com picos sempre breves, e logo seus olhos e sua carne se acostumaram a suportá-la. Recaía sobre si, com toda força, a luz do iceberg, entrando pela janela norte, e parecia que um grande Olho o observava através dela. Ele teria se erguido para enfrentar tal Olho, mas o sono o subjugava com uma espécie de paralisia.

Depois disso ele dormiu novamente por um tempo. Ao acordar, encontrou de volta a seus membros a força e a agilidade que lhes faltara antes. A estranha luz ainda estava sobre si, preenchendo toda a sua câmara, e ao contemplar o exte­rior ele testemunhou uma nova maravilha. Pois eis que seu jardim e as rochas e as areias da praia além não eram mais visíveis. Em seu lugar haviam suaves leitos de gelo em torno de sua casa, e altos píncaros que se erguiam como torres sobre as ameias de uma fortaleza. Além dos abismos de gelo ele via um mar que parecia remoto e raso, e além do mar havia um litoral baixo e vago.

O terror lhe assaltou então, pois ele reconheceu em tudo isso a ação de uma feitiçaria onipotente e além do poder de todos os magos mortais. Pois era evi­dente que sua alta casa de granito não estava mais na costa de Mhu Thulan, mas depositada sobre alguma parte alta do iceberg. Tremendo ele se ajoelhou e orou aos Antigos, que vivem secretamente em cavernas subterrâneas ou habi­tam sob o mar ou nos espaços ultraterrenos. E enquanto orava ouviu bate­rem com força à porta de sua casa.

Com muito medo e espanto ele desceu abriu os portões. Diante de si estavam dois homens, ou criaturas que tinham aparência humana. Ambos tinham fisio­nomias estranhas e peles lustrosas e vestiam mantas de tecidos bordados de runas como as que só os magos vestiriam. Essas runas eram rústicas e incom­pre­ensíveis, mas quando os homens lhe falaram ele entendeu um pouco do que diziam, que era um dialeto das ilhas Hiperbóreas.

— Servimos Àquele cuja vinda foi predita pelo profeta Lith — disseram. Ele veio de espaços além dos limites do norte, em sua cidadela flutuante, a mon­tanha de gelo Yikilth, para viajar pelos oceanos mundanos e cobrir de gelado esplendor os pequenos povos da humanidade. Ele nos poupou dentre os habi­tantes da grande ilha de Thulask e nos trouxe para navegarmos com ele sobre Yikilth. Ele temperou a nossa carne ao rigor de sua morada, e tornou respi­rá­vel para nós o ar que nenhum mortal poderia inspirar. A ti também ele pou­pou e aclimatou com seus feitiços ao frio e ao éter que estão por toda Yikilth. Salve, ó Evagh, em quem reconhecemos grande magia por este sinal: pois apenas os mais poderosos entre os magos foram assim escolhidos e salvos.

Evagh foi dolorosamente surpreendido, mas vendo que passara a tratar com homens que eram como ele próprio, passou a questionar mais atentamente os dois magos de Thulask. Eles se chamavam Dooni e Ux Loddhan e eram sábios nas tradições dos deuses antigos. O nome dAquele a quem serviam era Rlim Shaikorth, e vivia no mais alto dos cumes da montanha de gelo. Nada disseram a Evagh sobre as propriedades de Rlim Shaikorth e sobre seu próprio serviço a tal ser eles juraram que consistia somente da adoração que se dá a um deus, adicionada do repúdio de todo laço que antes os ligara à huma­nidade. E disseram a Evagh que deveria seguir-lhes até Rlim Shaikorth, executar o apropriado rito de obediência e aceitar o compromisso de ali­enação definitiva.

Então Evagh foi com Dooni e Ux Loddhan e estes o conduziram a um grande cume de gelo que se erguia sem se derreter diante do sol pálido, predominando sobre os demais no topo plano do iceberg. O pináculo era oco. Subindo por dentro dele em escadarias de gelo eles chegaram finalmente à câmara de Rlim Shaikorth, que era um domo semiesférico com um bloco arredondado ao meio formando um divã. E sobre esse divã se encontrava o ser cujo advento o profeta Lith predissera tão obscuramente.

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