Vale ou Não Vale Auto-Publicar-se?

Escrevi este artigo com base em reflexões que tive sobre a minha própria carreira desde 2005 e as ofertas que recebi, entre aceitas e rejeitadas. Gostaria que você que me lê visse isso mais como um depoimento do que como um diagnóstico do mercado.

Isto dito, vamos lá.

Há quatro coisas que as editoras podem fazer por um autor. E se você não tiver uma editora que lhe faça, no mínimo, duas delas, então é melhor autopublicar-se do que assinar um contrato. As quatro coisas são:

  1. Orientar seu crescimento,
  2. Disciplinar o seu trabalho,
  3. Publicar com qualidade,
  4. Promover a obra publicada.

Não se iluda: no mercado brasileiro é extremamente restrita a possibilidade de um quinto passo, a remuneração pelo direito autoral. A maioria dos autores pensa primeiro no dinheiro, mas isso não seria certo nem mesmo se o nosso mercado fosse desenvolvido e a remuneração fosse uma coisa normal.

Orientar o crescimento quer dizer coaching ou formação. Alguém da editora lhe apontará os problemas de seu texto e o ajudará a aparar as arestas. Se algum editor lhe disser que isso não existe, que editora não é babá, tenha a certeza de que você não está diante de um editor de uma casa tradicional, mas do dono de uma vanity press.1 Todos os autores, mesmo os mais profissionais, têm uma relação interativa com os seus editores. É o editor que diz ao autor que ainda cedo para publicar certa obra, define a melhor época do ano para lançá-la, sugere mudanças onde for preciso etc. Nem dá para enumerar tudo. Claro que o editor não é um sensei, pois não há tempo para orientar minuciosamente cada autor, mas a ideia geral é essa. O coaching é mais necessário com os talentos recém contratados, que ainda precisam adaptar-se ao mercado.

Disciplinar o trabalho quer dizer “profissionalizar”. Se você se torna um autor contratado, é comum que a editora deseje publicar seus trabalhos com relativa frequência. Talvez não os seus romances, pois não haveria mercado, mas eles podem te indicar como colunista de uma revista, jornal ou site, podem lhe pedir para produzir conteúdo para outras publicações da editora, podem lhe dar revisões ou lhe pedir que seja ghost writer de um famoso que quer ser autor de livro mas não sabe escrever… Há muitas maneiras de lhe dar trabalho e mantê-lo ocupado. Afinal, se a editora te tem no “cast”, por que eles vão procurar outros, cuja qualidade é duvidosa? Se a editora, em vez de investir e desenvolver os talentos que contrata, está sempre em busca de “novos talentos”, então ela está mais preocupada com o que os novos podem oferecer. Isso geralmente quer dizer “dinheiro”.

Publicar com qualidade quer dizer “design profissional”.2 Não vou citar nomes para evitar processos, mas vários membros da comunidade atestarão o que digo. Há editoras que fazem trabalhos péssimos e, sinceramente, se for para ter uma qualidade tão ruim, quase vale a pena você fazer como eu, e estudar design de livros para fazer sozinho. Quando falo de falta de qualidade editorial eu me refiro a coisas como:

  1. Utilização de imagens não originais (stock photos3) para a confecção da capa ou ilustrações do interior.
  2. Falta da catalogação bibliográfica da obra.
  3. Falta do depósito legal na biblioteca nacional.
  4. Erros no índice.
  5. Não inclusão de elementos solicitados pelo autor (como dedicatórias, introdução etc.).
  6. Não inclusão de elementos opcionais que aumentam a qualidade da publicação, como apresentação, prefácio, orelha, sinopse etc.)
  7. “Gralhas” (erros de digitação) numerosas, especialmente se ocorrem em títulos.
  8. Falhas da revisão, deixando passar erros de concordância verbo-nominal ou inconsistência de tempos verbais, ou, em caso extremo, a própria falta da revisão.
  9. Capa inadequada ao tema.
  10. Uso se software não profissional para a formatação.
  11. Defeitos de impressão ou de montagem.
  12. Uso de papel inadequado na capa ou no miolo.

Além da falta de qualidade editorial, existe a questão da má qualidade tipográfica também, e essa é uma pobre incompreendida, porque ninguém acha que tem valor na hora de fazer, mas todos, inconscientemente, gostam mais dos trabalhos que a têm.

Por má qualidade tipográfica devemos entender coisas como:

  1. Escolha de fontes “batidas” ou tipograficamente ruins: certas fontes não devem, absolutamente, ser usadas, entre elas Comic Sans MS, Papyrus, Bank Gothic, Algerian, Zapf Chancery, Zapf Elliptical, Avant Garde, Arial, Brush Script, Benguiat etc. Elas até podem ter tido seu valor, mas foram usadas em excesso e suas formas muito características as tornaram “figurinhas carimbadas”.
  2. Escolha equivocada de fontes: certas fontes são muito boas para certo uso, mas inadequadas para outros usos. Times New Roman é um bom exemplo. Apesar de um pouco “batida”, ela é extremamente elegante e muito legível para corpo de texto em tamanho pequeno. Torna-se inadequada para livros, a menos que você aumente o espaçamento entre linhas, e é muito “pobre” para fazer capas e títulos. Outro bom exemplo é a New Century Schoolbook, que é ótima para livros didáticos, mas não passa uma boa impressão para uma obra de ficção.
  3. Mau uso da fonte escolhida: mesmo escolhendo uma boa fonte, é possível usá-la mal e prejudicar o resultado. Times New Roman com entrelinhas muito estreito, Garamond em corpo muito pequeno, fontes pesadas em corpo inferior a dez etc.
  4. Falta de elementos avançados de formatação, como ligaduras, protrusão e extrusão. A falta desses elementos torna a margem da página, especialmente a direita, irregular aos olhos e, dependendo da fonte, a ausência de ligaduras também prejudica a leitura.
  5. Fontes inconsistentes: a escolha dos tamanhos de fonte precisa ser feita com método, para que haja uma relação harmônica entre títulos e texto. Não é uma ciência exata, mas há casos em que claramente o título está maior ou menor do que precisava, ou com um espaçamento excessivo ou muito exíguo. Regra geral: deve-se usar em todo o livro somente uma família de fontes sempre que for possível, introduzindo uma segunda somente se isso for muito bem estudado. Deve-se usar somente um tamanho de fonte para todo o conteúdo, admitindo-se um tamanho menor para notas e legendas (se houver) e dois maiores para títulos.
  6. Layout incorreto. Margens tortas (sem que seja erro de impressão), margens diferentes em páginas diferentes, margem interna insuficiente para a encadernação, mancha de texto irregular,4 capítulos abertos em página de verso, etc.
  7. Erros de formatação, como falta de hifenização ou de justificação dos parágrafos.

Todos esses elementos tipográficos são essenciais para a apresentação de um produto de qualidade. Eles deveriam ser a marca de um trabalho profissional e um que até você ou um amigo conseguiriam fazer. Uma editora precisa ser capaz de oferecer um nível de excelência acima do que amadores conseguiriam, ou, no mínimo, não pode fazer feito diante de um diletante.

Uma das razões para a má qualidade tipográfica é a não utilização de programas profissionais de edição de texto. Há muito “profissional” que faz layout de livros no Microsoft Word, o que é mais ou menos equivalente a tentar construir um muro usando peças de Lego.

Por fim falemos de promover a obra publicada. Subentende-se que é a editora que deve fazer isso, por mais que o autor também possa e deva fazer, para potencializar as chances de seu sucesso. Promover não envolve necessariamente dinheiro, embora isso às vezes seja preciso, mas envolve sempre uma “atuação” positiva. Espera-se que a editora, mais do que manter o livro à venda em sua “livraria virtual”, que é algo que a Amazon também faz por você, coloque-o em livrarias físicas, envie-o aos resenhadores e aos jornais, coloque-o nos concursos, arranje convites para o autor ir nos festivais literários etc. Espera-se que a editora, que vive disso, tenha esses contatos e apoios e possa oferecer esta assessoria ao autor.

O que quero dizer pode ser resumido a três pontos:

  1. O trabalho editorial é extremamente valioso para o autor, mas nem toda empresa que se intitula “editora” realmente o é.
  2. Não vale a pena restringir seus direitos sobre sua obra sem que você ganhe alguma coisa com isso. Como é difícil viver de literatura no Brasil, no mínimo o autor deve esperar ganhar qualidade.
  3. Se for para “publicar” seu livro sem qualquer assessoria ou revisão, para ele ser formatado de maneira amadorística e de mau gosto, impresso “nas coxas” e encadernado idem e depois a tiragem ser toda enviada para você ou então o livro só existir na “livraria virtual” da “editora”, então é melhor partir para a autopublicação.

  1. Vanity Press (“Editora de Vaidades”, numa tradução literal) é aquela empresa que diz ser editora mas publicará qualquer coisa que você envie e sempre dirá que você é um talento potencial da literatura nacional. 
  2. Design é aquilo que diferencia o documento que você improvisa usando um software comum (ex: o Word) daquilo que um profissional faz usando um software especializado. É a diferença entre o “foi eu que fiz” e aquele “ooooooohhh” que você tem vontade de dizer ao contemplar certo trabalho. 
  3. Stock photos são imagens que você pega na internet e que, se não forem de uso restrito, teoricamente você poderá algum dia encontrar no trabalho feito por outra pessoa. 
  4. “Mancha de texto” é o que você vê quando olha a folha de um livro de longe ou apertando os olhos. 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *