Você se considera um autor profissional?

Deparo-me frequentemente nas redes sociais com pessoas que acreditam ser “escritores profissionais”. Muitas dessas pessoas chegam ao ponto de mudar o nome de seu avatar para “Fulano de Tal, escritor” ou registram domínio para o seu sítio pessoal na internet como “EscritorBeltrano”. Não são raros os casos em que autores desses queiram compartilhar o segredo de seu sucesso — algumas vezes menosprezando autores iniciantes ou simplesmente difundindo de si e de sua obra uma imagem que sugere grandes vendagens, forte repercussão e críticas positivas.

Mas será que essas pessoas realmente são “profissionais”? O que significa ser um “profissional” da literatura, em especial no Brasil? Quais os critérios a se adotar para definir se um autor realmente é “profissional” ou meramente pensa ser?

Partindo da etimologia, “profissional” deriva de “profissão”, que é, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

  1. Declaração pública.
  2. Solenidade na qual alguém se liga por votos a uma ordem religiosa.
  3. Ofício; emprego; ocupação; mister.

Vemos, portanto, que o profissional, no sentido em que a palavra se emprega para autores, seria alguém que faz da literatura o seu ofício, emprego, ocupação ou mister. “Ofício” é um trabalho especializado. “Emprego” é uma atividade remunerada. “Ocupação” é aquilo a que uma pessoa se dedica, exclusiva ou principalmente. “Mister” é aquilo que é determinado a uma pessoa fazer. Todos esses sentidos dão a entender uma atividade:

  1. “Permanente” quer dizer que a prática da escrita não pode ser intermitente ou limitar-se a um momento da vida do autor.
  2. “Remunerada” quer dizer que o autor deve ser pago pelo seu trabalho.
  3. “Conhecida” quer dizer que a atividade não deve ser tão rara que ninguém saiba do que se trata. Não é o caso da literatura, pois mesmo os leigos sabem o que é.
  4. “Reconhecida” quer dizer que o autor deve ser identificado como alguém que se dedica a literatura.
  5. “Demandada” quer dizer que o autor escreve segundo um pedido específico ou uma necessidade do mercado.

Não podem ser chamados de “profissionais” os autores que se dedicam ocasionalmente à literatura, que não recebem pelo que escrevem (ou, pior, pagam para publicar), que não são vistos como autores e que oferecem seu trabalho em vez de tê-lo solicitado.

Isso quer dizer, por exemplo, que eu não posso me chamar de “profissional”. Sou bancário, escrevo em minhas horas vagas, pago para publicar (ou não recebo, quando não estou pagando) e não há demanda, ainda, para meu trabalho. As únicas semelhanças entre um autor profissional e eu estão no caráter permanente da atividade e na popularidade da literatura.

Para alguns desses autores que se intitulam “profissionais”, a dedicação exclusiva e a especialização seriam suficientes. Mas isto é verdadeiro? Por exemplo: quem sobrevive basicamente da renda do cônjuge ou da família, é profissional da escrita mesmo que só se dedique a escrever? Outro exemplo: mesmo vendendo muitos livros e tendo uma alta renda literária, alguém que ganha muito mais em outra atividade (como personalidade ou empresário, por exemplo), é um “profissional”? No primeiro caso a atividade não tem caráter econômico, portanto não pode ser chamada de “profissão”. No segundo caso o autor é identificado socialmente em outra profissão e faz da literatura uma atividade paralela, mesmo que tenha lucro ao escrever.

Isso pede uma definição do conceito de “profissional” que vá além do dicionário. Partindo dos itens citados e procurando esclarecer o papel do autor, sugiro a definição de profissional de escrita como alguém que:

  1. Não depende economicamente da renda de outra pessoa ou da família;
  2. Dedica-se exclusivamente a escrever ou predominantemente a escrever;
  3. Obtém através da escrita um rendimento positivo;
  4. Idealmente sobrevive da renda assim obtida, mesmo que tenha de complementá-la com algum tipo de benefício social (Bolsa-Família, BPC, aposentadoria etc.), ou pelo menos esta faz diferença em seu orçamento;
  5. Identifica-se social e legalmente como escritor ou em uma atividade análoga que possa ser considerada a mesma (tradutor, professor autônomo etc.).

É importante citar que a profissão de escritor é reconhecida no Brasil, faz parte da Classificação Brasileira das Ocupações (CBO), mas não é regulamentada. Ser reconhecida significa que você pode contribuir para a Previdência Social como escritor. Não ser regulamentada quer dizer que não há direitos e garantias estabelecidos em lei (piso salarial, jornada de trabalho, classificação quanto à insalubridade etc.)

Acredito que tenhamos nas redes sociais pouquíssimos autores que se enquadrem realmente como “profissionais” da escrita.

Mesmo aqueles que se dedicam principalmente a escrever e que conseguem obter rendimentos de suas publicações ainda ficam em uma posição fragilizada. Quantos autores realmente obtêm ganhos positivos? Falamos aqui do limite entre hobby e profissão.

Ainda segundo o dicionário, hobby é uma atividade favorita que serve de derivativo às ocupações habituais, um passatempo.

Normalmente gastamos dinheiro com nossos hobbies ou, mesmo gastando pouco ou nada, não os praticamos com a intenção de ganhar dinheiro. Alguém que faz jardinagem pensando em ganhar dinheiro se torna um jardineiro remunerado de quintais alheios ou então um floricultor em sua propriedade pessoal. Um autor que faz literatura pensando em ganhar dinheiro se torna, claro, um profissional.

A diferença, porém, não está meramente na intenção, está em conseguir.

Recentemente fui tirar opiniões com um conhecido que vende pela Amazon. Queria saber como faz, quantos livros vende. Soube que vende uma média de sessenta livros ao mês, entre físicos e eletrônicos, e que tira uma média de R$ 2 por livro. Isso quer dizer R$ 120 ao mês, e R$ 1440 ao ano.

É uma renda bruta muito pequena, insuficiente para ser considerada uma “fonte de renda” em vez de hobby.

Para saber se uma atividade econômica é rentável, precisamos calcular a sua “Taxa Interna de Retorno” (TIR). Não vou escrever aqui sobre a fórmula de cálculo da TIR, porque este é um blog sobre literatura, não sobre economia, mas há muitos métodos para esse cálculo na internet, inclusive um, bem simplificado, no sítio Faz a Conta.com.

Para simplificar, digamos que Taxa Interna de Retorno é a capacidade que o investimento tem de retornar positivo o capital investido. Geralmente se trabalha com a inflação prevista (rentabilidade mínima exigida) e a previsão de rentabilidade (máxima) para se calcular o risco de rentabilidade negativa ao longo do tempo. Considera-se também o custo do capital investido. É por essa razão que os bancos comerciais raramente emprestam dinheiro para a implantação de empresas, visto que o custo financeiro do capital durante a fase inicial do empreendimento pode significar a impossibilidade de obter retorno positivo.

As duas variáveis centrais aqui são estimar o volume do capital investido e o seu custo financeiro.

Normalmente, em cálculos simples de TIR, trabalha-se com um capital monetário, fácil de estimar. No entanto, como diz o velho ditado, não podemos considerar que o capital se limita ao dinheiro, pois “tempo é dinheiro”. Esta não é só uma frase besta que os velhos dizem, é uma peça de sabedoria real: existe um custo envolvido no tempo dispendido em uma atividade, portanto, o capital investido em um empreendimento não inclui somente o dinheiro que se põe nele, mas também a dedicação imaterial que você reserva para isto. Nem falamos, também, de pequenos custos que os autores frequentemente não contabilizam, como gasto de energia, desgaste físico dos equipamentos, prejuízo à própria saúde, etc.

Qual é, então, o capital investido pelo autor? Este é um cálculo que cada um terá de fazer conforme seus parâmetros, mas acredito que a fórmula do capital relacionado a uma obra literária seja próxima de [latex]C = n \times T + n \times D + n \times S + m + n \times I + u \times P + u \times R[/latex] em que “T” representa o valor de remuneração da sua hora de trabalho, “D” representa o desgaste físico de seus equipamentos eletrônicos por hora de uso, “S” representa o prejuízo à sua saúde por hora dispendida diante do computador, “m” representa o custo do material de escritório (cadernos, canetas, folhas de ofício etc.) utilizado no processo produtivo, “I” representa o custo de acesso à informação (internet ou bibliotecas) por hora (não considerando as horas de trabalho, já contabilizadas em “T”), “P” representa os custos de postagem envolvidos e “R”, os trabalhos de terceiros relacionados (capista, revisor, layout, leitor beta, prefaciador etc.). Observe que alguns destes fatores são calculados relativamente ao tempo (“n”) enquanto outros, a unidades (“u”). Dependendo de como trabalhe o seu agente literário, ele pode lhe cobrar um valor fixo (nesse caso “+ A”) ou uma percentagem que será multiplicada por [latex]1 + A[/latex].

Basicamente o que quero dizer aqui é que a obtenção de uma remuneração positiva (atividade econômica sustentável) requer a contabilização de todos esses fatores (e mais alguns que eu possa ter esquecido). Quantos autores ditos “profissionais” estimam esses custos como parte do capital investido em sua atividade literária?

Claro que alguns desses itens são difíceis de estimar (o desgaste dos equipamentos e o prejuízo à saúde) e serão deixados de lado em um cálculo prático, mas é importante que o autor os tenha em mente ao raciocinar sobre a remuneração que recebe.

Sem realizar um cálculo que englobe tudo isso, o autor não sabe se está sendo remunerado ou se paga para trabalhar. Assim, é melhor que se identifique como um amador em vez de um profissional, a fim de manter o foco, evitar ilusões e, principalmente, para ter a consciência da própria liberdade e de suas limitações.

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