Celebridade

Na “praça de alimentação” de um grande shopping em uma cidade razoavelmente grande as pessoas, de vários tamanhos e cores, se amontoam em torno de mesas e competem pela atenção dos garçons. Termino de comer um sanduíche, sem me sentar e vou saindo daquela aglomeração opressiva quando percebo um diálogo divertido acontecendo numa das mesas. Aparentemente uma moça pedira licença a um desconhecido para se sentar com ele, que se aproveitara da oportunidade para apresentar-se e tentar alguma coisa.

A moça, de cabelos pintados de roxo/rosa/burro quando foge, parece mais preocupada em mastigar trocentas vezes os talos e folhas insossos pelos quais está pagando o preço de um prato gordo e nutritivo. Só ele, o estranho, fica sintonizado em outro canal. Enquanto ela ataca outro naco de brócolos com o garfo, fingindo-se interessada na parede pintada de curioso amarelo, o homem gesticula devagar, mas com amplitude, como se quisesse que ela acompanhasse cada dedo.

— Pois sou eu — ele explica. Nunca ouviu aquela minha música que estourou ano passado? Eu estou muito diferente da imagem no vídeo?

Ela o observa rapidamente. Está claro que não se lembra, que acha que o estranho de sotaque cantado e cabelos compridos é só um maluco que se acha celebridade.

A cena me captura a atenção. Simpatizo-me com o homem. Ele não é nem um pouco bonito, a sua fala denuncia uma cultura rudimentar, os seus modos são tímidos, a sua roupa não parece ser a de um astro da música. Mas ele tem um difuso ar “artístico” e os seus olhos contemplam a cabeleira afogueada da garota com um fascínio que o justifica.

Ela, porém, nem parece digna da atenção do pobre cantor anônimo. Embora bonita, ela tem um jeito comum, esquecível, anódino. Uma beleza que vai passar, e sem ela não ficará muita coisa digna de nota. Só que, enquanto jovem e com a tintura fresca na cabeça, ela se acha melhor do que ele, ou eu acho que ela se acha. Por isso ela o contempla com enfado, com um certo arrependimento de não ter comido em pé como eu, junto ao balcão. Pelo menos o funcionário do restaurante tem uma aparência mais moderna e descolada que o cantor, exibindo um cabelo armado e alguns brincos pelas orelhas e cara.

Resolvo traduzir minha simpatia num gesto. Aproximo-me da mesa, faço a melhor cara de surpresa que consigo fingir e digo, imitando uma certa alegria que eu não tenho muito:

— Não acredito! Mas você!… Você, aqui?

O cantor ergue os olhos dos peitos murchos de sua musa e me vê, diante dele, com uma caneta e um bloquinho de notas. Deve ser o primeiro autógrafo que dá nesta cidade, onde não o conhecem ainda. Ele estende a mão como quem tateia o futuro. Treme e treme mais. Mas quando se apossa da caneta, é como se tivesse pego uma espada mística para se transformar em um super herói. Enrijece a coluna, firma os dedos e perpetra os rabiscos que eu esperava.

— Muito bacana o seu novo DVD. Vai cantar na cidade hoje?

— V-vou, vou sim! — ele responde, positivamente embasbacado. Ali tem um cartaz.

Olho na direção indicada e vejo um pequeno anúncio em poucas cores, perdido numa pilastra.

— Vou estar lá para te ver, matar saudades do verão passado, sua música bombava lá na praia.

Despeço-me educadamente e saio de perto dos dois, com a certeza de que não compraria ingressos para vê-lo cantar, nem se fosse o último espetáculo da terra. Mas antes de sumir da vista, olho para trás e vejo o cantor, de óculos escuros, abraçado à garota de cabelos roxo/ruivos enquanto uma outra registra o momento para a posteridade.

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