Por que Nossa Literatura Fantástica Continua Marginal?

Esta semana a minha bolha nas redes sociais se agitou com a discussão sobre o artigo de Santiago Nazarián para a Folha de São Paulo, em que se aborda um tema que parece incomodar aos autores de ficção fantástica: ela continua supostamente relegada a um papel marginal — desprezada pela crítica e incapaz de “deixar uma marca” na cultura nacional, seja lá o que isso quer dizer. Acredito que esse debate está, de saída, viciado por três problemas: Nossos autores raramente possuem uma conexão profunda […]

Terceira Encruzilhada no Caminho da Esquerda

Texto apresentado ao Desafio Entre Contos “Folclore Brasileiro”. Hoje vocês me dizem que eu estou em segurança e tudo parece ter sido um sonho. Assim me dizem sempre que essas coisas acontecem. Hoje está tranquilo, madrinha, mas não quero visitas, estou doente ainda, quero remédios e não quem me teste a paciência e diga que estou corado e bonito. Para essas coisas tive a minha mãe, que Deus a tenha. Agora quero é a misericórdia de Deus e tentar parar com esses sumiços. Disseram-me que […]

Os Oportunistas Atacam Novamente

Após a morte do ator e produtor mexicano Roberto Gómez Bolaños; criador dos personagens Chaves, Chespirito, Chapolin e outros menos conhecidos; a imprensa nacional ecoou uma série de elogios disparatados, que não condizem com a importância limitada do homenageado — que, malgrado seu apelido, não é nenhum Shakespeare moreno. Da mesma forma, surgiram artigos pretensiosos; que não vou linkar e nem citar, para não dar holofotes a quem não os merece; com críticas maliciosas ao trabalho de Bolaños, cobrando-lhe uma coerência e uma qualidade que […]

A Dama Pé de Cabra

> Conforme promessa antiga, eis minha primeira tentativa de transformar a antiga lenda portuguesa da Dama Pé de Cabra em um conto de terror ao gosto moderno. Preservei o tratamento em segunda pessoa para dar um ar medieval ao texto (que é, de fato, ambientado na Idade Média), e procurei evitar, ao máximo, toda modernização que violasse o espírito do original. Sendo assim, as personagens do sexo feminino são deixadas em segundo plano a ponto de nem terem nome. Esta versão, porém, expande a história […]

A Virgem do Sabá

Jovita emba­lava a menina nos bra­ços e Jerônimo as con­tem­plava, entre embe­ve­cido e des­con­fi­ado. Lembrou da noite em que a conhe­cera, não teve receios nem remorsos — sen­tiu-se, na verdade, cheio de orgu­lho de ter sido tão homem e recos­tou na cama, arfando o peito como se os pulmões inflassem dentro de uma estreita gaiola enferrujada e dezenas de nava­lhas subis­sem com a res­pi­ra­ção. Fechou os olhos, igno­rou o cheiro dos remé­dios e dos chás, e sentiu-​se de novo na noite da Serra dos Caramonos.[…]

A Fila Não Incomoda

“A Fila Não Incomoda”: Um Manifesto Contra a Jornada do Herói e em Favor do Direito de Fazer Tudo Errado foi uma série de artigos que escrevi entre maio e junho de 2014, baseada em minhas leituras de alguns artigos críticos do conceito do monomito de Joseph Campbell. Estes artigos foram consolidados neste texto único, divido em partes usando a ferramenta do WordPress que eu só descobri hoje. Originalmente foram oito partes, mas eu acrescentei uma nona, e também uma conclusão e uma bibliografia. Os […]

A Pessoa Amada

Rodrigo mirou Amanda nos olhos com uma fúria que ela ainda não conhecia. Mas em vez de um tapa ou de um grito ele derramou uma solitária lágrima enquanto apertava na mão um inimigo imaginário, com tanta força que as unhas feriram a palma e os músculos retesados demais começaram a doer. — Fica assim, então, Amanda. — Você vai se arrepender, Rodrigo. Não faça isso comigo. — Não me arrependerei, Amanda. Nada me fará arrepender porque eu acabei de ver que não poderia mais […]

Tempo de Semear, Tempo de Colher

Estas montanhas têm uma história, desde os tempos dos índios, desde antes do primeiro português cortar a primeira árvore. Eles vieram, viveram, morreram, viram o mal que havia e se foram, ficaram apenas alguns pobres puris isolados, entocados quase como bichos. Vieram os emboabas a caminho das minas, tentaram fixar-se aqui, mas não ficou nenhuma vila, queimaram todas as casas, sumiram no tempo como se nunca tivessem pousado, e a estrada real passou ao largo.

Em Nome dos Mortos

A Zona da Mata Mineira vive hoje uma crise – humana, econômica e ecológica. Por toda parte onde se vá, encontramos a descaracterização cultural, a perda das tradições orais, o esquecimento do artesanato (e da própria história) e, mais grave que tudo, uma absurda destruição da natureza que, de tão arraigada, deixou de significar apenas a remoção da vegetação nativa e agora está chegando à remoção do próprio solo e das montanhas: percorrendo a região vemos morros pelados, terra aparente, erosões, cursos d’água assoreados. A […]

A Falta que Faz a Educação

Não me refiro à educação escolar, essa que sucessivos governos parecem querer dificultar, mas à educação cidadã e humana, que cabe às famílias e a cada um de nós. Esta é a que faz mais falta, porque se trata da que não precisa de grandes investimentos, nem de grandes construções. Não dispende energia, não move terras e céus, não cria dívidas e nem polui. Não custa livros, não consome dinheiro, não requer transporte. Mas apesar de ser tão barata em termos econômicos, é caríssima em […]