A Alma Nua

Acordei de um sono pesado e sem sonhos, sentindo a boca seca devido a muito tempo sem beber água, e os músculos algo doloridos de tanto ficar deitado. Depois de um breve suspiro, que não me aliviou muito por causa do ar opressivo do quarto, dei-me conta de que a cama estava anormalmente dura, certamente porque dormira em uma casa alheia — coisa que raramente faço. Tentando entender onde estava e o que me acontecera, levei a mão direita à cabeça, um gesto muito característico […]

O Lugar da Mitologia de William Hope Hodgson no Mythos Lovecraftiano

O autor inglês, cuja obra maior, A Terra da Noite, será editada ainda esse ano no Brasil, pela Editora Clock Tower, em tradução minha, foi, de diversas maneiras, um pioneiro da ficção científica. Muito já se escreveu sobre a originalidade de suas ideias, mencionando seu papel no desenvolvimento do gênero “terra moribunda” e na introdução de elementos como campos de força, armas brancas dotadas de energia mística, arcologias (grandes construções contendo ecossistemas fechados) e outros. Mas a obra de Hodgson inclui um aspecto menos lembrado, […]

Zumbis e Vampiros Mordendo-se

Ao contrário do que possa parecer, esta postagem não foi, de nenhuma maneira, inspirada pelo conto “O Ataque dos Zumpiros“, de Alec Silva, mas escrita em 29 de março de 2016 como resposta a uma pergunta do Quora.com Se um vampiro é mordido por um zumbi, nada de realmente bom pode acontecer. Mas o que realmente acontece vai depender de que tipo de vampiro falamos, e de que tipo de zumbi. Comecemos, então, por definir ambos. A) O Vampiro Vampiro da mitologia balcânica e eslava […]

A Invasão

Esta noveleta cheia de ação, aventura e cães famintos é um dos nove textos que compõem a coletânea “Mythos Mineiros” e é o mais original, em minha opinião, embora talvez não o melhor. Certamente será o que mais agradará ao público jovem, ligado em aventuras, por causa do grande número de elementos de aventura e do ritmo narrativo ágil. Nela encontramos isolados no mais improvável dos lugares, um bordel de alta classe em uma cidade do interior, um grupo de sobreviventes de um evento apocalíptico. […]

Zumbis Merecem Sua Compreensão, Não Suas Balas

Livremente baseado nesta genial resposta do Quora.com Existe um imenso preconceito contra a comunidade morta-viva nesse mundo, algo tão injusto que é inacreditável que nada tenha sido feito até agora para criar uma ponte entre os mortos-vivos e a população em geral. Mas acredito que já é o momento de deixarmos de lado velhas atitudes e começarmos a construir um novo paradigma para o caso. Depende um pouco dos zumbis também. Digamos que eles têm um problema de imagem que precisa ser abordado. Eles tendem […]

Tratamento de Recuperação

Despertou-me o silêncio. A noite parecia cortada ao meio, sangrando ainda, quando meus olhos se arreganharam para as trevas. Havia um silêncio espesso empoçado no quarto, o suor secava e me causava frio, na calma intensa da madrugada eu ouvi meu coração bater tão levemente que me senti ainda falecido, como se a minha alma mesma ainda revoasse por alturas possíveis. Mas não, eu estava ancorado à cama e à carne. Tentei me virar, mas a dor do movimento foi demais para minha pouca vontade. […]

A Perdição do Homem (Beatrix e Jeannelynne)

“Ó amiga e companheira da noite, ó tu que te regozijas no ladrar dos cães e no sangue derramado, que perambulas por entre as sombras entre as tumbas e trazes terror aos mortais! Gorgo! Mormo! Lua de mil faces, contempla favoravelmente os nossos sacrifícios”― H. P. Lovecraft (em “O Horror em Red Hook”) A porta se fechou e Beatrix suspirou o temporário alívio da primeira noite. Mas não se recostou para dormir, sabia-o impossível. Como recostar a cabeça em um travesseiro antecipando que o segundo […]

A Dama Pé de Cabra

> Conforme promessa antiga, eis minha primeira tentativa de transformar a antiga lenda portuguesa da Dama Pé de Cabra em um conto de terror ao gosto moderno. Preservei o tratamento em segunda pessoa para dar um ar medieval ao texto (que é, de fato, ambientado na Idade Média), e procurei evitar, ao máximo, toda modernização que violasse o espírito do original. Sendo assim, as personagens do sexo feminino são deixadas em segundo plano a ponto de nem terem nome. Esta versão, porém, expande a história […]

A Virgem do Sabá

Jovita emba­lava a menina nos bra­ços e Jerônimo as con­tem­plava, entre embe­ve­cido e des­con­fi­ado. Lembrou da noite em que a conhe­cera, não teve receios nem remorsos — sen­tiu-se, na verdade, cheio de orgu­lho de ter sido tão homem e recos­tou na cama, arfando o peito como se os pulmões inflassem dentro de uma estreita gaiola enferrujada e dezenas de nava­lhas subis­sem com a res­pi­ra­ção. Fechou os olhos, igno­rou o cheiro dos remé­dios e dos chás, e sentiu-​se de novo na noite da Serra dos Caramonos.[…]