Recurso Apresentado a um Concurso Público

Provando que eu já era meio ardoroso na defesa de minhas opiniões em 1999, vai uma correspondência por mim enviada à Prefeitura de um município do interior mineiro — com cópia para conhecido jornal de ampla circulação na região — após ter conhecimento do gabarito final de um concurso para provimento de vagas no magistério municipal, no meu caso para lecionar História. O concurso acabou anulado e eu, que havia sido reprovado por uma questão, tive a chance de fazer a prova de novo, mas da segunda vez o concurso estava em um nível no qual provavelmente nem o Eduardo Bueno, nem o Jacques Soustelle e nem o próprio Hobsbawn passariam — mas um número suficiente de candidatos obteve a pontuação necessária, claro.

Esta versão não é idêntica à que foi enviada à Prefeitura pois, além de remover todo dado que pudesse servir para identificar o município (e assim me precavenho contra um processo por calúnia e difamação), também removi alguns parágrafos que não tinham informação suficiente para que alguém sem acesso ao texto da prova pudesse entender do que eu estava falando. Removi também o endereçamento e o fecho.


Tendo me inscrito no último Concurso Público realizado pela Prefeitura para preenchimento de vagas de Professor de História, venho por meio desta pedir a V. Sª. providências referentes ao mesmo, cujas provas tiveram lugar no último domingo dia 16/06 do corrente ano. Faço-o nesta data pois, tendo sido o gabarito definitivo divulgado no dia 19/06, ainda me está facultado o direito de recurso. Faço uso desta prerrogativa por julgar que o referido concurso sofreu de imperfeições de variada espécie, as quais prejudicaram-me (e acredito que também a inúmeras outras pessoas, embora eu me restrinja a abordar os aspectos referentes ao meu caso particular). Entre essas destacam-se o descuido na elaboração das provas e a existência de diversas incorreções tanto no enunciado quanto nas alternativas em várias questões.

### Prova de Conhecimentos Específicos (História)

Em relação à esta parte, a primeira, e talvez a mais grave, das imperfeições foi ter exigido matéria diversa da originalmente definida no programa. O Manual do Concurso Público “Área de Educação, Nível Superior”, cita em sua página 9 os “Conteúdos Programáticos” (sic) da Área de História:

> * Construindo o pensamento histórico: reflexões sobre os papéis do professor de História e do Historiador e sobre as suas relações com as grandes correntes da produção do conhecimento histórico;
* Brasil contemporâneo: República Brasileira: aspectos da vida política; desenvolvimento de políticas públicas; momento atual;
* Economia e sociedade no Brasil: O Brasil no contexto da globalização mundial; as políticas neoliberais e seus reflexos na economia e no desenvolvimento social (…); meios de comunicação e cultura de massa;
* A questão agrária e o meio ambiente: uma visão histórica do processo: ocupação da terra e a questão indígena; concentração da propriedade rural, política agrária, (…) agricultura e degradação ambiental;
* O ambiente urbano e a industrialização do Brasil: industrialização e crescimento urbano; (…) atividades econômicas e meio ambiente, educação e saúde.

A partir desta lista se pode supor que a prova seria centrada na realidade brasileira de hoje. O fato de ser justamente este o conteúdo do currículo do Ensino Fundamental dá sólidas bases a esta suposição. É importante ressaltar isto porque, ao delimitar *desta maneira* o conteúdo programático, não se está meramente dispensando o candidato do estudo de outras áreas, mas também condicionando-o a desenvolver todo um raciocínio histórico invertido a partir do presente e baseado na demanda do aluno. Não é apenas uma delimitação de conteúdo; é a afirmação de uma maneira de pensar e de ensinar a História. Não se está apenas pedindo do candidato que conheça os temas propostos, mas também que estruture seu raciocínio e o seu método em torno de um paradigma.

Analisemos agora os temas das questões da prova de conhecimentos específicos.

Questão 31
: Feudalismo (no imaginário popular e na cultura de massas).

Questão 32
: Absolutismo (características).

Questão 33
: Significado da vinda da família real portuguesa ao Brasil.

Questão 34
: O Século XIX na história dos Estados Unidos da América.

Questão 35
: Contexto histórico do Brasil no pós-guerra.

Questão 36
: Questão Palestina.

Questão 37
: Transição do Mito à Razão na Grécia Antiga.

Questão 38
: Características do Período Regencial.

Questão 39
: Causas da Segunda Guerra Mundial.

Questão 40
: Contexto histórico do Brasil nos anos 60.

Como se vê, **nenhuma das questões está compreendida nos “conteúdos programáticos” enunciados no manual** e poucas, de acordo com o currículo do Ensino Fundamental. Vale ressaltar que no Ensino Fundamental a História Universal é ensinada apenas como complemento à do Brasil.

Ainda que se possa argumentar que ao professor de História cabe conhecer todo o espectro da História Universal (uma afirmação discutível sob certos aspectos[^1]), ao divulgar que o concurso exigiria certos setores da História e não outros, os organizadores do concurso inculcaram nos candidatos a percepção de que deveriam dirigir seus estudos exclusivamente às áreas que seriam tema da avaliação. Os que confiaram nas orientações oferecidas pela organização do concurso ficaram, portanto, em desvantagem em relação aos que, por quaisquer motivos, tenham desconfiado delas. **É moralmente aceitável que seja prejudicado quem confia no que diz o poder público e recompensado quem desconfia?**

Faço questão de ressaltar que não me furto a ser avaliado em qualquer área da História. Não tenho medo de submeter a prova os meus conhecimentos. Mas, por uma questão de honestidade, acredito que os candidatos a um concurso têm o direito de saber em que quesitos serão avaliados para que possam todos preparar-se em igualdade de condições. **Um concurso deve avaliar os conhecimentos do candidato, não sua capacidade de prever o futuro ou de adivinhar se o organizador do concurso estava fazendo uma “pegadinha”**.

No entanto, ainda que protestando veementemente contra o fato lamentável ocorrido, não deixo de analisar friamente as questões da prova de História, pois iludir as expectativas dos candidatos não foi o maior dos erros cometidos pela organização: na maioria das questões houve problemas em relação ao enunciado ou às alternativas.

Na questão 31, por exemplo, temos um texto que, segundo o enunciado, devemos tomar por base ao analisar as quatro afirmativas propostas. Ocorre que nenhuma das opções oferecidas alude ao texto. A título de ilustração, cito o enunciado da questão:

> Para o homem comum, não especialista, a expressão *feudalismo* possui um peso fortemente negativo, provocando associações imediatas com imagens colhidas em velhos manuais ou em romances mais ou menos ambientados numa vaga região do passado denominada “Idade Média” ou “Tempos Medievais”. Para as gerações mais novas, do cinema de massa e da TV, feudalismo remete para filmes “de capa e espada”, onde a violência, o fanatismo religioso, a fome e “a peste” encontram-se lado a lado, com figuras melancólicas e românticas de “cavaleiros e miladies”».[^2]

> 1. a abordagem da época medieval pelo cinema e pela televisão, destaca a *mobilidade* e a *flexibilização* dos papéis sociais, característicos do feudalismo;
2. O (sic) clero consolidou o prestígio da Igreja Medieval (sic), *apoiando os movimentos heréticos religiosos;*
3. A (sic) intensificação da exploração sobre os camponeses, as crises de fome e a chamada ‘peste’ estavam associadas às *rápidas transformações socioeconômicas (sic) em curso na sociedade europeia medieval;*
4. A *escravização* (sic) dos camponeses nos temos medievais determinou a visão negativa sobre este período da História».

Ocorre que nenhuma das quatro afirmativas é verdadeira em razão de conterem, todas, palavras inadequadas que invalidam qualquer veracidade que ostentem. Além de, obviamente, nenhuma delas apoiar-se no texto.

A alternativa A menciona uma suposta “mobilidade” e uma “flexibilização dos papéis sociais”, quando a Idade Média foi justamente um período caracterizado pela rigidez da estrutura social. A alternativa B incorre em falsidade ao declarar que a Igreja apoiava as heresias, quando ela as combatia a ferro e fogo. A alternativa C, tida como correta, alude a supostas rápidas transformações socioeconômicas (sic) em curso na sociedade europeia medieval, quando a época foi justamente caracterizada pela lentidão das transformações. Embora ao longo do período medieval a sociedade se tenha transformado profundamente, este processo foi tudo, menos rápido, já que levou mil anos! A alternativa D utiliza inadequadamente o termo escravização para referir-se à situação dos camponeses medievais e afirma que foi isso que determinou a visão negativa sobre este período da História, quando a visão negativa sobre a Idade Média foi determinada pela concepção Renascentista de que o período teria sido uma longa “noite” em que a cultura antiga esteve esquecida. Diante do fato de que todas as alternativas estão incorretas, reconheço que assinalei aleatoriamente uma delas na prova, já sabendo que haveria de polemizar depois.

A questão 36 mostra que o seu formulador tem uma concepção bastante superficial dos eventos internacionais contemporâneos. Depois de ter citado fragmentos de uma reportagem de jornal sobre a questão palestina, o enunciado indaga qual alternativa é correta, “sobre o tema” (não sobre o texto, portanto, o enunciado nos instrui a não considerar o texto ao analisar as alternativas. Ao afirmar que A chamada Questão Palestina refere-se atualmente à situação dos cerca de quatro milhões de refugiados em áreas vizinhas ao estado de Israel; o formulador mostra não compreender a magnitude do problema. Qualquer pessoa bem informada sabe que a Questão Palestina não é um problema de refugiados, mas uma questão nacional não resolvida. Talvez o erro se deva ao fato de a questão ter sido formulada com base em um artigo de jornal do ano passado mas, há quanto tempo foi formulada esta prova? Ainda que eu tenha assinalado esta alternativa como correta, eu o fiz pela mesma razão que na questão 31: as quatro contêm falsidades evidentes.

A questão 37 incorre num erro digno de um Erich von Däniken, pseudo-historiador célebre por misturar os fatos históricos e frequentemente se perder no emaranhado de sua própria confusão ao tentar defender suas mirabolantes teorias. O enunciado da questão remete à passagem do Mito à Razão na Grécia Antiga, evento que teria ocorrido, segundo o formulador da questão, entre os séculos VII e VI a.C.[^3] e que teria sido possibilitado, segundo a alternativa dada como correta, pelo surgimento da Filosofia e pelas invasões dos dórios. Em termos lógicos a afirmativa é um absurdo! Ora, é concebível que exista Filosofia sem que exista pensamento racional? Como pode a Filosofia preceder a razão, sendo ela o mais nobre fruto da mais nobre das faculdades humanas? Em termos cronológicos o desastre é ainda maior: como pode a invasão dos dórios haver sido um fato decisivo em um processo ocorrido entre os séculos VII e VI a.C. se ela ocorreu por volta do século XII a.C., 600 anos antes? A invasão dos dórios foi responsável, isto sim, pela destruição da civilização egeano-micênica (dos “Tempos Homéricos”) e lançou a Grécia em um período de confusão política que é conhecido como a “Época Arcaica” (séculos XI a VI a.C.) ao longo do qual surgiram e se consolidaram os elementos da posterior “Época Clássica”. O surgimento da razão não foi fruto de outra coisa senão da urbanização grega, com o surgimento da pólis; motivo pelo qual eu assinalei a alternativa B, a única que menciona o fato mais notável ocorrido entre os séculos VII e VI, único evento capaz de produzir uma transformação radical, evento este que é semente de inúmeros outros. A colonização grega e a expansão da cultura helenística (mencionadas na alternativa C) também têm pontos de contato com a passagem do Mito à Razão. A primeira por ser contemporânea à última fase da “Época Arcaica” e a segunda por representar a “exportação” da cultura grega para o resto da área do mediterrâneo (mas em uma fase posterior ao período citado). Desta análise se conclui que a única alternativa correta é B, não C.

A questão 38 induz o aluno ao erro pois a alternativa tida como “correta” (D) afirma que os partidos surgidos no Período Regencial eram “democráticos”. Ou o formulador tem um muito peculiar conceito de democracia, flexível a ponto de considerar democrático um sistema que excluía 99% da população brasileira da época, ou houve erro na correção desta questão. De resto, nenhuma menciona aquela que é, realmente, a principal característica do período regencial: o fato de o governo ter sido exercido por líderes eleitos. Esse é o motivo pelo qual a época foi conhecida como “experiência republicana”, como aliás está mencionado no enunciado da questão!

A questão 39, em sua alternativa “correta” identifica como causa da Segunda Guerra Mundial a “ameaça expansionista da União Soviética, pretendendo a difusão da revolução socialista”. Aceito que o formulador acredite que comunistas comem criancinhas, mas não aceito que agrida o fato histórico. No período anterior à Segunda Guerra a antiga União Soviética estava passando por um processo de reestruturação social e econômica. Ocorriam crises periódicas de fome, perseguições políticas e escassez de gêneros. O país ainda estava construindo uma infraestrutura básica e a expansão da revolução era a última de suas preocupações. Não foi por outro motivo a célebre disputa entre Trotsky e Stalin pela primazia no PCUS. Enquanto este defendia a necessidade de uma pausa no ímpeto revolucionário para “consolidar as conquistas da revolução”, aquele defendia uma “revolução permanente”.

A vitória de Stalin representa o triunfo do pragmatismo e do isolacionismo sobre o idealismo revolucionário. A maior prova de que não havia uma política expansionista russa está no pacto Ribbentrop-Molotov (1939), em que a URSS cedeu territórios e áreas de influência à Alemanha nazista para evitar confrontar-se militarmente com ela: Stalin sabia que, em 1939, a União Soviética ainda não tinha condições de lutar. Pretender que um país que cede ao limite da covardia para evitar um confronto militar está em uma “política expansionista” e disposto a causar uma guerra é mais do que minha pouca inteligência consegue alcançar.

Duas alternativas aludem a fatos históricos coerentes com a origem da Segunda Guerra Mundial: B e D. A letra B, ao mencionar “as rígidas cláusulas dos tratados de paz da Primeira Guerra e a geração espontânea de novos países europeus surgidos com a fragmentação do Império Austro-Húngaro” (ainda que o termo geração espontânea seja inapropriado e o fato em si, de discutível importância na esteira de eventos que conduzem à Guerra). A alternativa B reúne as mais sólidas afirmações, ao aludir à “Política expansionista de regimes fascistas na Ásia e na Europa e à diplomacia do apaziguamento”. Atribui, portanto, a culpa aos verdadeiros culpados: Alemanha, Itália e Japão (os tais regimes expansionistas) e Inglaterra, URSS e Estados Unidos (os apaziguadores que assinavam tratados com Hitler achando que ele um dia ficaria satisfeito e a guerra não aconteceria).

Mas é a questão 40 que mais suscita revolta contra os organizadores. O enunciado afirma que:

> No início da década de 1960, a grande novidade no mundo do cinema era a revelação da produção cinematográfica do Terceiro Mundo (do Oriente, da África e da América Latina), que expressava as condições internas dos países destas regiões e o *contexto da conjuntura* (sic) internacional. No Brasil, o Cinema Novo começava a ganhar expressão e voltar-se para as bases populares de nossa cultura. Como características no plano interno e externo do período, podem ser apresentadas, respectivamente:

A alternativa correta, segundo os organizadores é a B, em que se lê: “o nacional desenvolvimentismo (sic) e o surgimento do realismo socialista no cinema”. Ou seja, a questão afirma que, no Brasil, vivíamos um período “nacional desenvolvimentista” e que, no plano, externo, assistia-se ao surgimento do “realismo socialista”. Claro, não?

Bem claro que quem acha que isto está certo deve ter tomado pau em História da Arte na faculdade e deveria voltar para ela para aprender de novo. Protesto contra a afirmação de que o realismo socialista no cinema surgiu nos anos 60. Querem que eu rasgue todos os livros de História da Arte e confie no que algum incompetente desconhecido acha que está certo? “Realismo Socialista” foi o estilo artístico característico da União Soviética — e de alguns de seus satélites — entre a década de 1930 e o final da década de 1970. O “Realismo Socialista”, na literatura foi criado por escritores como Vladmir Maiakóvski (morto em 1925) e no cinema, por Sergei Eisenstein (cujas produções vão de 1923 a 1941).

Transcrevo a seguir o verbete *Realismo Socialista* da Enciclopédia Larousse:

> O princípio fundamental do Realismo Socialista é a captação da realidade com a visão partidarista, objetivando uma tomada de posição explícita a favor da construção do socialismo. (…) Salientou-se o “herói positivo” (do qual o próprio Stálin seria um arquétipo); adotaram-se as formas simplificadas, a exuberância decorativa e a comunicação fácil com o público leitor ou espectador. Foi justificado ideologicamente nos informes de Andrei Jdanov sobre a arte e a literatura e (…) foi a doutrina artística oficial na antiga URSS e em outros países socialistas.

Note bem a menção a Stálin. Ainda que se discuta a época exata em que surgiu o “Realismo Socialista”, é evidente que ele já existia enquanto Stálin e Jdanov ainda eram vivos. Como Stálin morreu em 1953 e Jdanov em 1948, ele não poderia estar surgindo nos anos 60, caramba! Para informar ao ignorante formulador desta questão, o movimento inspirador de nosso Cinema Novo foi o “Neo-Realismo” italiano e o seu protótipo foi “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rosselini (1948).

### Prova de Português

Tendo expressada minha posição a respeito da Prova de História, passo a analisar a Prova de Português, a qual, ainda que em grau menor, também apresenta sérios problemas.

Logo na segunda questão temos uma grave razão para controvérsia. Tudo porque o enunciado da questão, citando parcialmente uma frase do texto, indaga o significado da oposição entre sermos “seres no mundo” e sermos “seres do mundo”, segundo a ótica do autor. Vejamos o que diz a frase inteira no texto (os grifos são meus)

> A modernidade, com a influência cartesiana e também da física de Newton, nos legou a falsa ideia de que somos seres destacados da natureza, que somos seres *no mundo*. Quando somos, de fato, seres *do mundo*.

A primeira parte da citação é evidente: o pensamento materialista nos apresenta como dominadores da natureza, dissociados dela. Ao afirmar que, na verdade, somos seres do mundo, Frei Betto está apenas querendo afirmar o contrário: nós também pertencemos ao mundo, somos parte de um sistema.

O gabarito apresenta como correta a afirmativa C, onde se lê: “Fomos feitos para habitar este mundo/somos apenas parte deste mundo”. É uma afirmativa bastante semelhante à letra A, que afirma: “fomos feitos para reger o mundo/somos parte da natureza”. Na verdade nenhuma das duas afirmativas está de acordo com o texto citado: a afirmativa C perde ênfase e coerência ao usar a palavra “apenas” pois o objetivo da exposição de Frei Betto é ressaltar o fato de que somos mais que simplesmente “habitantes” deste mundo. Concordo que trata-se de uma questão de estilo mas, o estilo deve estar a favor da clareza. A afirmativa A também está errada porque Frei Betto não afirma que devemos reger o mundo. Como nenhuma das duas outras alternativas se aproxima da verdade, a conclusão é que esta questão, por um erro de formulação, não tem nenhuma alternativa correta.

### Prova de Conhecimentos Didático-Pedagógicos

Em relação à questão 23 fico perplexo pela possibilidade de a afirmativa D estar correta, uma vez que as três últimas afirmativas tangenciam pelo mesmo ângulo o trecho citado. Se uma delas está correta, todas as três obrigatoriamente estarão. Consequentemente a única afirmativa que as contradiz deve estar correta. Isso, é claro, numa análise simplista e a priori, sem ler com atenção o enunciado.

Quando Veiga afirma que

>As novas formas têm que ser pensadas em um contexto de luta, de correlação de forças — às vezes favoráveis, às vezes desfavoráveis. Terão que nascer do próprio chão da escola, com apoio de professores e pesquisadores. Não poderão ser inventadas por alguém longe da escola e da luta de classes

estará ele pregando que deve haver divisão entre ensinar e aprender? Estará querendo dizer que deve haver desvinculação entre sentir e agir? Estará angariando adeptos para a necessidade de separar o pensar do fazer quando justamente afirma que aqueles que fazem (professores e pesquisadores) devem ser os responsáveis pela elaboração das teorias que os guiarão?! A única afirmativa que concorda com Veiga é A: unidade entre teoria e prática, por eliminação através da lógica abstrata, mas também por evidente semelhança de ideias.

Na questão 26, creio haver um problema de natureza lógica na formulação da questão. O enunciado nos pede para considerar os critérios para a verificação do rendimento escolar apresentados a seguir: Acontece que as frases mencionadas não se referem todas a critérios para a verificação do rendimento escolar, como se verá.

Ocorre que a afirmativa II declara: obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar enquanto a afirmativa III alude a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, mediante verificação do aprendizado.

Ora, salta aos olhos do observador que as afirmativas II e III se referem, ambas, a eventos posteriores à verificação do rendimento: II define a possibilidade de recuperação em caso de subaproveitamento e III fala do avanço nos cursos e nas séries, mediante verificação do aprendizado. O próprio enunciado de III já admite que a verificação do rendimento escolar é outra coisa, e uma coisa anterior.

Portanto a única alternativa que define critérios para avaliação do rendimento escolar é I:

> avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.

Estes são critérios, os outros são atitudes a tomar diante dos resultados da aplicação destes critérios.

Ainda que a LDB mencione conjuntamente as três afirmativas, é evidente que a redação do enunciado está capenga e o torna obscuro e inverossímil. Parece ter faltado à mão do redator desta questão um pouco de amor à clareza.

### Sumário

Do anteriormente exposto conclui-se que, entre as alternativas que “errei” no concurso, em várias o meu erro foi induzido pela existência de múltiplas alternativas corretas; pela má construção do enunciado, resultando em afirmações absurdas em seus próprios termos; ou pura e simplesmente porque se considerou certo o que está errado.

Causa-me profundo espanto que um concurso organizado por um órgão público incorra em tantas imperfeições. Que exames que levam o nome de “provas objetivas” contenham subjetividades. Que uma tarefa de grande responsabilidade, como a elaboração de um concurso público, seja levada a efeito de forma tão descuidada, temerária até. Que diante do alto valor da taxa de inscrição não se tenha providenciado um sistema de alta qualidade e à prova de falhas.

Não espero que meus protestos resultem em providências, pois estas deveriam incluir a anulação de muitas questões ou, preferencialmente, o próprio cancelamento deste fiasco em que se transformou o concurso; mas faço uso de minha liberdade de expressão para declarar meu repúdio a este. Diante da qualidade dos exames infere-se a qualidade dos que foram responsáveis pela sua elaboração e duvida-se da qualidade das pessoas que serão por tais critérios selecionadas para o serviço público.

Eu não aceito a nota que obtive neste concurso como a medida justa de meu valor, quer sob o aspecto meramente acadêmico, quer sob o aspecto profissional. Justa medida ele é da seriedade e da competência daqueles que o conduziram.

Há que se ter mais respeito pelo dinheiro alheio. Não se pode cobrar R$59,00 de taxa de inscrição[^4] e brindar os candidatos com folhas de respostas fotocopiadas. Não se pode ter duas versões do gabarito em uma mesma semana e não depõe a favor da lisura do processo seletivo a limitação do prazo para recursos a 48 horas, especialmente se levamos em conta o restrito horário em que atende o serviço público municipal. Tudo parece conspirar para dificultar uma análise minuciosa das questões e a elaboração de uma contestação efetiva em tempo hábil, para que os candidatos acabem sendo forçados a aceitar o resultado.

Uma administração comprometida com o bem comum não pode tolerar este tipo de falhas, especialmente quando o processo foi alvo de suspeita desde o início, com maldosos comentários à boca pequena aludindo ao seu caráter de mero “arrecadador de fundos para as eleições”. Diante de tão graves suspeitas que o populacho levantou, rigorosas providencias de seriedade deveriam ter sido tomadas. Sua ausência decepciona os que, como eu, hipotecaram suas esperanças votando na atual administração e permitem suspeitar da veracidade dos comentários que o zé-povinho fez circular.

Espero que minha indignação motive correções futuras, que instigue os canais competentes a agirem em defesa da cidadania, uma vez mais ferida. Sinto-me ferido em minha dignidade, insultado em meu profissionalismo ao ser ele medido por critérios amadores.

[^1]: É discutível porque, embora seja desejável que o professor seja generalista, em essência o professor não é um historiador e nem um erudito, mas um educador. Ele deve possuir os conhecimentos mínimos necessários ao entendimento geral da disciplina e os conhecimentos específicos referentes às matérias que vai ensinar, aliados às técnicas pedagógicas e às suas qualidades pessoais, como talento e experiência de vida. Considero injusto exigir que o pobre professor seja um sabe-tudo.
[^2]: A qualidade do texto citado é lamentável em si mesma, incompatível com o que seria exigível em um concurso público.
[^3]: É duro de ver um enunciado de questão contendo um erro assim. É extremamente prematuro dizer que o simples surgimento de alguns pensadores já indica uma “passagem do mito à razão” generalizável para toda a cultura grega. Ora, os filósofos não eram somente poucos, mas encontrados em algumas poucas cidades: Mileto, Samos, Éfeso, Eleia, Agrigento, Colofona, Clazomena, Abdera e Apolônia. Algumas destas cidades sequer eram na Grécia (de cor me refiro a Éfeso e Abdera).
[^4]: Como esse concurso foi em 1999, o leitor tenha ideia de como foi cara a taxa de inscrição.

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