[Tradução] Abandonados em Andrômeda [2]

> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)

Os amotinados sentiram certo alívio. Qualquer coisa, mesmo a morte súbita pela inalação de uma atmosfera irrespirável, seria melhor do que o longo confinamento. Estoicamente, como condenados à morte, eles se prepararam para o mergulho fatal no desconhecido.

Os negros minutos se esgotaram e então as luzes elétricas foram acesas. A porta se abriu e Jasper entrou. Ele removeu em silêncio as amarras dos três homens, então se retirou e a porta foi trancada para eles pela última vez.

Eles perceberam, de alguma maneira, que o transporte havia reduzido sua velocidade. Tentaram pôr-se de pé com seus membros enrijecidos e descobriram que era difícil manter o equilíbrio porque tinham se acostumado a uma velocidade de deslocamento muito além da de qualquer corpo cósmico. Então perceberam que a nave tinha parado: houve um súbito salto que jogou-os contra a parede e depois cessou o onipresente zumbido das máquinas. O silêncio era muito estranho porque a vibração dos grandes motores eletromagnéticos tinha sido familiar por tanto tempo quanto a pulsação de seu próprio sangue.

A escotilha se abriu com um guinchar metálico agudo e entrou um brilho suave de luz azul esverdeada. Então veio uma rajada de vento acre e um cheiro carregado do odor indescritível de coisas que não se pareciam com nada da Terra. Os amotinados ouviram mais uma vez a voz de Volmar:

— Saiam vocês, e saiam rápido. Não tenho mais tempo a perder com lixo.

Prendendo a respiração, Roverton se aproximou da escotilha, rastejou através dela e desceu pela escada de aço que ficava do lado externo do transporte. Cada um dos outros o seguiu por sua vez. Não podiam enxergar muito, porque era aparentemente noite ainda no mundo novo em que eram desembarcados. Eles pareciam suspensos sobre um abismo indefinido e sem fundo, mas ao chegarem ao fim da escada descobriram que havia chão sólido sob seus pés. O ar, embora ardente e desagradável às narinas, era aparentemente respirável. Deram uns poucos cuidadosos passos, permanecendo juntos, em uma superfície que era suave e nivelada sob suas pisadas. E quando ainda tentavam ajustar os seus sentidos às cercanias sombrias viram a forma vaga do transporte começar a se mover e então ouviram o rugido prodigioso de sua subida aos céus.

— Abandonados! — disse Roverton, com uma risada breve — Bem, uma coisa é certa: somos os primeiros amotinados jamais deixados em Andrômeda. Voto por tirarmos o máximo de proveito da experiência. O ar ainda não nos matou, então é evidente que contém uma proporção de hidrogênio e oxigênio não muito diferente da atmosfera da Terra. E com esse ar existe uma boa chance de acharmos vida vegetal, ou até animal, de uma espécie que nos proporcione substâncias comestíveis.

Os três homens olharam em volta, firmando os olhos em um esforço para penetrar a escuridão azul esverdeada. Nenhum deles era sem imaginação, e eles sentiram a tensão de uma estranheza sem paralelo, uma opressiva alienação que atacava os seus nervos com um milhão de coisas amorfas ou não reveladas, nunca antes conhecidas pelo homem. Sua situação era inconcebivelmente desoladora, mas além da desolação parecia latente a abundância multiforme e numerosa da vida extraterrestre. No entanto não podiam ver nada de tangível, exceto umas massas vagas e imóveis que pareciam grandes rochedos. O ar estava um tanto frio e a sua característica acidez se tornava mais perceptível, em uníssono com uma escuridão peculiar.

Os céus acima eram tênues e vaporosos, com umas poucas estrelas brilhando palidamente em suas profundezas. Algumas destas estrelas eram momentaneamente obscurecidas e então reveladas, como se houvesse algum tipo de movimento ou mudança no meio que as ocultava. Por toda parte havia o senso de uma distância abismal e incomensurável, e os amotinados tinham consciência de uma vertigem estranha e impressionante, como se o espaço horizontal em todas as direções os pudesse atrair para algum abismo sem fundo.

Roverton deu um passo adiante, em direção a uma das massas que pareciam rochedos, notando cuidadosamente a atração gravitacional exercida pelo chão. Ele não tinha certeza, mas pensou experimentar uma sensação de peso, de dificuldade na locomoção, um pouco mais do que é sentida na terra.

— Eu acho que esse mundo é um pouco maior ou mais pesado que o nosso anunciou.

Os outros o seguiram e perceberam sensações semelhantes. Eles pararam, inseguros, pensando no que fazer a seguir.

— Suponho que o sol vai nascer em algum momento, — observou Deming — Delta Andromedæ é uma estrela considerável, e aparentemente o calor que ela produz é comparável ao do nosso sol. Sem dúvida vai produzir uma iluminação similar. Enquanto isso é melhor nos sentarmos e esperar, se este é um rochedo de verdade.

Ele se sentou na massa escura, que tinha formato quase circular e teria, talvez, dois metros e meio de diâmetro por um de altura, com o topo suavemente arredondado. Os outros o seguiram. O objeto parecia coberto de um tipo de musgo denso, arrepiado e resistente.

— Isto é um luxo! — exclamou Roverton. Acho que gostaria de tirar uma soneca.

Nem ele e nem os outros estavam, porém, em um estado que lhes permitisse dormir. Todos estavam incontrolavelmente excitados pela novidade de sua situação e tinham a sensação de uma inquietude terrível, um nervosismo selvagem devido ao choque de serem atirados entre forças atmosféricas e geológicas alienígenas e as emanações magnéticas de um solo nunca pisado por pés humanos. Deste solo mesmo eles nada podiam determinar, exceto que era úmido e aparentemente despido de capim ou outras formas vegetais.

Eles esperaram. A escuridão era como o borbulhar lento duma eternidade fria e esverdeada. Os amotinados tinham relógios, que logicamente haviam ficado sem corda durante seu período de encarceramento. Eles lhes deram corda, puseram-nos a funcionar e ocasionalmente riscavam um fósforo para ver passar o tempo um procedimento cujo absurdo logo perceberam, posto que não havia meios de saber se as vinte e quatro horas do dia terrestre corresponderiam de alguma maneira ao período de rotação daquele novo mundo.

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