12 Verdades Doídas – 57 meses depois

Em março de 2010 eu publiquei aqui um artigo intitulado [12 Verdades Doídas e uma Confissão Desesperada](/lit/2010/03/12-verdades-doidas-e-uma-confissao-desesperada), no qual refleti, com certa amargura, sobre uma série de debates sobre literatura em comunidades de redes sociais — e como isso me havia afetado. Hoje me deparei de novo com ele e resolvi analisar em que pontos minha opinião mudou, e em que outros ela permaneceu.

1 – Escrever é um privilégio e não um direito. Hoje continuo pensando mais ou menos a mesma coisa, mas com uma diferença fundamental: eu não acho que esse privilégio tenha tanto a ver com talento inato, mas com as oportunidades que a pessoa tem durante a infância e a adolescência. Se ela não usufruir de experiências que lhe favoreçam o desenvolvimento da escrita, não chegará a escrever bem. Isso vale para tudo na vida, não só escrever. A pedagogia ensina que existe uma idade adequada para a alfabetização, para o começo do estudo da música, para aprender a primeira língua estrangeira, etc.

2 – Não existe pseudo-intelectual. Acho que este é o ponto menos compreendido de todos que eu apontei. Ninguém até hoje entendeu que eu quis dizer que as pessoas tidas como “pseudo-intelectuais” de fato possuem uma cultura bastante extensa e portanto não podemos atribuir-lhes o adjetivo “pseudo”. Podemos discordar delas ou até julgar que sua cultura é insuficiente mas chamar de “pseudo-intelectual” é como dizer que certo músico “não é músico” apenas porque não toca tão bem.

3 – Motivação é algo interno, não externo. Não retiro uma vírgula disso. As pessoas que desejam escrever precisam desejar isso com força, não podem desanimar na primeira crítica. Também acredito que isso vale para tudo na vida: temos de ter força de vontade para buscar o que queremos.

4 – Tudo que você escreve é porcaria. Eu quis aqui quebrar o excesso de autoconfiança que os iniciantes costumam ter (e até 2010 eu ainda tinha). Hoje eu penso que devemos ter uma relação desapaixonada com o próprio texto, em vez de defendê-lo zelosamente como uma cadela protegendo sua ninhada.

5 – Seus amigos só te elogiam porque são seus amigos. Eu jamais seria rigoroso ao criticar um texto de um amigo. Amigos são tão difíceis de fazer que não vale a pena a gente perder por causa de um texto mal escrito. Acredito que o mesmo fazem os outros. Claro que há uma diferença entre evitar comentar (e criticar) e fazer elogios rasgados e insinceros, mas estes existem também. Mas o que eu quis dizer, e hoje preciso clarear um pouco melhor, é que os melhores leitores de nossa obra são pessoas que não nos conhecem — e que, por isso, podem nos julgar com isenção. Inclusive porque os amigos, por ocasionalmente terem as mesmas experiências que nós, terão mais facilidade para interpretar coisas que seriam obscuras para leitores desconhecidos. Por isso não acho bom usar amigos como leitores beta.

6 – Não existem “críticas construtivas”, apenas críticas. Na época eu escrevi isso num contexto muito específico. Alguns jovens participantes de alguns grupos literários do Orkut ignoravam críticas que não lhes agradavam dizendo que não eram construtivas. O que eu quis dizer é que o autor tem que considerar todas as críticas, mesmo as que sejam destrutivas. Não que precise se guiar por toda crítica, mas que devem analisá-las sem raiva. Não podemos achar que só porque a crítica nos ofendeu ela está errada. Hoje em dia eu não concordo exatamente com isso, porque sei que muita gente critica para ofender gratuitamente, mas ainda acho que é melhor ser ofendido do que ignorado. Paulo Coelho e Draccon que o digam.

7 – O seu esforço não vale, me mostre o que você fez. Embora eu não seja mais tão agressivo, ainda acho que o autor não deve fazer propaganda de seu esforço, mas de seus resultados. A obra deve falar por si. Mencionar o longo tempo gasto para fazê-la, ou a trabalhosa pesquisa que requereu, é apelo à misericórdia.

8 – Se você fosse um gênio, alguém já teria percebido. Gênios são precoces. Eles publicam cedo e cedo são elogiados. A maioria dos autores publica tarde e evolui devagar, muitos só são reconhecidos após a morte — e muitos que foram mesmo geniais e morreram cedo só são aceitos no século seguinte. Então eu quis sacudir de mim o peso da ideia da genialidade. Eu larguei mão do sonho de ser reconhecido e resolvi escrever do jeito que queria, sem me cobrar nada demais. Acho que todos nós devemos ter essa relação desapaixonada com o que escrevemos. Ninguém deve querer ser gênio — e muito menos comportar-se como se fosse.

9 – Não existem histórias originais, apenas histórias bem escritas. Nenhuma vírgula a alterar.

10 – Esqueça Paulo Coelho. Agora que outros raios caíram no mesmo lugar, eu já discordo disso. Parece que há uma demanda de mercado pelo tipo de literatura que o mago faz. Então provavelmente seja uma boa ideia lembrar Paulo Coelho, se você vê a literatura apenas como best-seller.

11 – Não Imite Best-Sellers, Imite o que os autores deles leram. Essa frase não é minha, é do Kurt Vonnegut, e é muito citada por autores famosos. Imitar os best-sellers é diluir.

12 – A Norma culta não existe para humilhar ninguém. Nenhuma vírgula a mudar. Eu raramente vejo um post escrito em bom português que contenha críticas arrasadoras à norma culta. No máximo o que vejo são posts em bom português que argumentam que o domínio da norma culta não é o domínio da língua em si, mas de um código que é tão legítimo quanto o coloquial. Continuo achando que a polêmica da norma culta é mais forte à medida em que o autor tem mais dificuldade. O ódio é algo que dedicamos ao inimigo. Quem precisa lutar contra a norma culta é que a odeia.

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