Contos

O conto é meu gênero literário favorito desde que comecei a escrever poesia, pois eu já lia mais ficção que lirismo desde antes de começar a minha primeira obra de ficção. Na verdade comecei a escrever poesia planejando quando e como eu escreveria o meu primeiro conto. Aqui está uma lista daqueles de que mais me orgulho entre os quase mil que eu já escrevi.

Terceira Encruzilhada no Caminho da Esquerda — Hoje está tranquilo, madrinha, mas não quero visitas, estou doente ainda, quero remédios e não quem me teste a paciência e diga que estou corado e bonito. Para essas coisas tive a minha mãe, que Deus a tenha.

O Baile do Cemitério — Nada acontecia na cidade, não era preciso aquela preciosidade que o delegado ordenava: patrulhar pelas ruas! “É como ser vigia de cemitério” — protestou o Cabo Fabrício.

Tratamento de Recuperação — A noite parecia cortada ao meio, sangrando ainda, quando meus olhos se arreganharam para as trevas. Havia um silêncio espesso empoçado no quarto, o suor secava e me causava frio.

Riding the Lightning — Eu caminhava por uma rua estranha, muito ampla, com uma linha férrea à minha esquerda e uma linha de edifícios que, parede a parede, muravam o horizonte. As pessoas ao meu redor se vestiam para um frio moderado e não pareciam ouvir as mesmas sensações musicais que eu.

A Perdição do Homem — Como recostar a cabeça em um travesseiro antecipando que o segundo dia não seria mais apenas a exibição de instrumentos e seus efeitos? Preferiu aproximar-se da janela estreita da torre e contemplar o prado anoitecido, salpicado de fogueiras isoladas e luzes de aldeias.

A Virgem do Sabá — Pela quinta vez no ano Jerônimo inva­dia os limi­tes da Fazenda Caramonos em busca de um ganho adi­ci­o­nal, o que cos­tu­mava fazer sempre que a renda do tra­ba­lho pare­cia pouca para o fim do mês.

A Pessoa Amada — Quando ele bateu a porta, Amanda engoliu o choro, xingou para as paredes e foi tomar um generoso sorvete de chocolate. Ele voltaria, ele tinha voltado várias vezes antes. Não seria apenas um erro igual aos outros que o faria mudar.

Celebridade — Aparentemente uma moça pedira licença a um desconhecido para se sentar com ele, que se aproveitara da oportunidade para apresentar-se e tentar alguma coisa.

Atentado Violento ao Leitor — Estava eu justamente desesperado em busca de letras para ler quando uma moça bonita, apesar do estranho piercing negro em seu nariz, que parecia um troço de catarro, me ofereceu um livro.

Goiabas, Cédulas e Pães — Já na metade do caminho, deu-me na telha que era cedo, ou que simplesmente precisava sair da estrada. Poderia ter dirigido por um abismo abaixo, mas preferi um caminho estreito e poeirento.

Novos Céus, Nova Terra — Por toda a cidade reinava um estranho clima de eterna festa, e todos os seus cidadãos iam vestidos à mesma maneira, com idênticos cortes de cabelo. Todos levavam nos seus rostos uniformizados sorrisos muito limpos, de dentes muito alvos.

Jó, o Justo — Prestava seu culto doméstico de forma minuciosa e, por via das dúvidas, sempre sacrificava em nome dos filhos, para o caso de algum deles esquecer-se.

Metade — Há um barulho na cozinha, amor. Está ouvindo? Fale mais baixo, pode ser alguém que nos ouça. Está ouvindo agora? Então fique bem quietinha aí, só escute. Há um barulho na cozinha, amor.

Ismaël — Chamo-me real­mente Ismaël, mas ele não se chamava Ahab, e não estávamos embarcados em navio algum, mas per­di­dos nas montanhas poeirentas do Teto do Mundo, fugitivos da impiedosa inquisição de um inimigo invisível e quase incompreensível.

Fausto de Souza — Estava ali imerso em seu mundo particular e em contas a pagar já quase impagáveis. Sentiu então o característico cheiro sulfúreo de que as lendas falam. Era ele de novo.

Chega de Anjos — As imagens vacilavam com a interferência da geladeira, o som vacilava com a interferência da gritaria, sua mente vacilava com a interferência de uma arma fria que levava no bolso. Ninguém a vira, ninguém morrera, ninguém morria. Sua vida estava atada ao nada, era uma poça estancada, de alma e de hálitos. Estava sozinho, humilhado e não matava ninguém, nem a si mesmo.

Antinatal — Estava uma noite bem pouco amável nas colinas da Gaulanítide, mas as promessas da bruxa grega a haviam convencido. Sozinha, persistia subindo o monte, apesar da neve que começava a cair a partir daquela altitude.

Semente do Mal — O feiticeiro se debruçava sobre os incunábulos, obcecado com os astros, sentindo a passagem dos decanatos enquanto aguardava o momento propício para dar prosseguimento à sua Grande Obra, quando uma batida à porta se fez ouvir, interrompendo a sua concentração.

História de Amor Sem Amor — Augusta estava deitada quieta, nua, olhando para o teto, com o suor do corpo ainda evaporando após o amor, aquela sensação fresca, aquela preguiça, aquele formigamento…

Tio Gumercindo e o Horto — Há pessoas que vão morrer na linda manhã de um sábado de inverno: não é uma escolha. Há pessoas que preferem as madrugadas chuvosas e quentes do verão.

Uma Foto Infeliz — Saíram da sala de café, apertaram os nós das gravatas e entraram no amedrontador salão de vendas, atravessado de um lado a outro por uma ventania gélida, que destoava do sol causticante que se esgueirava pelas frestas e vidraças.

O Salário da Perseverança — Para entrar ali tinha de se vestir com a formalidade que não se usa mais nem para ir a casamentos: terninho, lenço ao pescoço, maquiagem, cabelo preso, sapatos pretos de salto, joias de prata discretas e óculos sem aro.

A Pilastra — Com o tempo aprendera a emendar seus erros transformando grandes obras em pequenos objetos. Uma estátua fracassada virava um monte de pequenos ornamentos, utensílios, pesos de papel em formatos variados.

Dois Gringos na Lapa — Shaul pensa no buraco negro que se aproxima, interrompe o gole de uísque para pensar nos tentáculos da destruição que se espraiam pelo cosmos em direção à Terra, prestes a engolfá-la em breve. Esse pensamento parece arejar sua mente com uma rajada de lucidez. De repente tudo se revela tão instável, e cada vez mais próximo.