Façamos a Literatura Feia

Em um mundo literário no qual o meu modo de pensar é visto como um desvio, uma falta de educação, é reconfortante, de quando em vez, ler alguém que também não se conforma com as nuvens róseas que pretendem predominar na literatura. Gustavo Czekster lavou a minha alma esta semana ao publicar no LiteraTortura [um artigo devastadoramente bom]) que expressa, melhor do que eu próprio o faria, aquilo que penso sobre literatura. E havia tanto tempo que não lia nada assim, que não me deparava […]

O Terceiro Episódio de Vathek, a Fanfic de Ashton-Smith

Foi através da mera citação deste título intrigante que eu fiquei sabendo da existência de Clark Ashton-Smith e de sua relação com H. P. Lovecraft. Na época eu estava lendo vorazmente todos os textos do cânone lovecraftiano e a sua relação com Ashton-Smith me chamou a atenção. Infelizmente, porém, por ser um texto longo e de linguagem rebuscada, demorei muito a empreender sua leitura. Quando terminei, passei dias estupefacto. Em algum momento eu devo publicar neste blogue uma análise da sexualidade mórbida que transpira das […]

Os 12 Mais Belos Parágrafos da Obra de H.  P.  Lovecraft

Tido como um autor menor da literatura americana, Howard Phillips Lovecraft, a exemplo de Edgar Allan Poe, goza de uma reputação muito melhor em outros países. Certamente isto se deve à capacidade de seus tradutores, que conseguem filtrar aquela que é justamente a má qualidade mais notada em sua prosa: a falta de fluidez, causada pelo vocabulário excessivamente precioso e pela tendência a períodos longos. Publico a seguir uma seleção dos doze melhores parágrafos da ficção lovecraftiana **em minha modesta opinião**, segundo minha tradução pessoal. […]

Pelo Direito de Não Ler

“Bem, infelizmente, aqui eu tive de me valer do direito de interromper a leitura” — Felipe Holloway. “Este é um livro que quando a gente larga não consegue mais pegar.” — Millôr Fernandes. Sou um escritor e batalho pela atenção de leitores. Nenhum escritor em sã consciência pensaria em desaconselhar a leitura, mesmo a de um texto alheio. A nossa arte compete com tantas coisas que desviam a atenção do leitor que hoje é muito difícil capturá-la. Só que certos escritores não têm uma consciência […]

Os Melhores Momentos Acontecem Depois

Fernando Pessoa escreveu em 1914 um poema chamado “Uns Versos Quaisquer”, que pode ser interpretado como um breve ensaio sobre a saudade, ou ainda melhor, sobre a “saudade falsa”, este sentimento que tanto faz parte da minha poesia (nem tanto da dele). Vive o momento com saudade dele      Já ao vivê-lo… Barcas vazias, sempre nos impele      Como a um solto cabelo Um vento para longe, e não sabemos, Ao viver, que sentimos ou queremos. A ideia de que o momento já deva ser vivido com […]

O Cenário como Elemento Central da Ficção de Clark Ashton-Smith [2]

Como vimos anteriormente, caro leitor, em nossa análise do conto A Paisagem com Salgueiros, as obras de Clark Ashton-Smith diferem da maior parte da tradição literária ocidental por colocarem em primeiro plano a construção do cenário, a ponto de o autor frequentemente transformar o próprio cenário em um personagem (como no citado conto). Esta não é uma opção exclusiva sua, mas na época em que escreveu ainda eram poucos os autores que compartilhavam desta escolha. Mesmo nos gêneros fantásticos os autores, em sua ampla maioria, […]

O Cenário como Elemento Central da Ficção de Clark Ashton-Smith [1]

Tem-se por inquestionável verdade que a concepção dos personagens é o elemento central da literatura de ficção em qualquer gênero. Sem personagens dotados de credibilidade e de moti­vações a história, por boa que seja, tende a fluir de uma maneira desconexa, de forma que os acontecimentos não apresentam sequencia lógica. Tanto é assim que não é raro que cer­tos personagens adquiram um relevo cultural muito maior do que o das obras em que apa­receram originalmente. Exemplos desse fenômeno são Romeu e Julieta, Hamlet, Cyrano de […]

Dolores, com Pudores

Vladimir contemplou um raio de sol nadando no copo de cerveja e sentiu a leve pontada de um pequeno espinho no peito, que o fez tropeçar nas batidas como se o relógio histórico tivesse uma engrenagem empenada. Era tarde já, embora ainda nem fossem sete da noite. Tarde para sonhar com Dolores. Então ouviu a voz dela no rasgo de um sorriso e teve vontade de pagar conta e sumir, ou ir embora deixando tudo na pendura, pondo pelo menos uma rua entre ele, Dolores […]