[Tradução] Abandonados em Andrômeda [5]

> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)

Aparentemente, a uma voz de comando, os guardas se aproximaram da boca da caverna e sinalizaram aos homens que saíssem. Eles obedeceram. Bandejas cheias da pasta branca e copos de uma bebida negra e doce foram postos diante deles e enquanto comiam e bebiam toda a assembleia os olhava em silêncio. Parecia ter havido algum tipo de mudança na atitude dos pigmeus, mas a natureza desta, ou o que poderia implicar, estava além do entendimento. Todo o procedimento era extremamente misterioso e tinha quase o ar de algum sacramento sinistro. A bebida negra deveria ser um pouco narcótica, pois os homens começaram a se sentir como se tivessem sido dopados. Houve um ligeiro amortecimento de seus sentidos, embora seus centros cerebrais permanecessem alertas.

— Não gosto disso — murmurou Roverton.

Ele e os demais sentiam uma crescente inquietação, para a qual não podiam indicar nenhuma razão determinada. E eles não se sentiram nada tranquilizados quando os três monstros-lagartos, seguidos de mais dois parecidos, reapareceram junto à margem da córrego. Todos eram montados por pigmeus armados que, quando chegaram perto, sinalizaram que os homens deveriam precedê-los em sua marcha. Os amotinados começaram a andar vale abaixo, com os guardas montados e toda a assembleia os seguindo.

Logo a margem ficou mais estreita e os paredões mais íngremes. O chão se limitou a uma trilha de menos de metro de largura, ao lado da qual as águas fluíam com sombria veemência em uma série de corredeiras mordidas por espuma amarela. Passando por uma curva na parede, os homens viram que a margem terminava em uma grande boca de caverna. Adiante os rochedos se erguiam perpendicularmente da torrente.

Os três hesitaram ao aproximar-se da caverna. Qual seria seu destino eles nem podiam conjeturar, mas a sensação de alarme e inquietação aumentou. Olharam para trás e viram que a coisa lagarto mais adiantada estava bem perto deles, arreganhando a boca mais horrivelmente que a caverna escura. Pensaram em pular na torrente, mas a correnteza estava cheia de rochas afiadas e um troar além dos rochedos sugeria a proximidade de uma catarata. As paredes acima do caminho eram impossíveis de escalar, então eles entraram na caverna.

O lugar era bastante espaçoso em comparação com as cavernas habitadas pelos pigmeus e os homens não foram forçados a curvar-se em momento algum. Mas, cegos pela luz do dia que haviam deixado, tropeçaram em pedras e bateram contra as paredes tortuosas enquanto tateavam na escuridão completa. Um jato de ar frio e fétido surgiu como um vento subterrâneo do coração da caverna e um dos monstros estava respirando nos seus calcanhares. Não podiam ver nada, ter certeza de coisa alguma, mas eram forçados a continuar, sem saber se o passo seguinte os atiraria em algum buraco terrível ou abismo sem fundo. Uma sensação de grave ameaça e de horror sobre-humano logo cresceu neles.

— Este lugar é escuro como a carvoaria do Hades — brincou Roverton. Os outros riram bravamente, mas seus nervos estavam no limite devido à sinistra expectativa e à incerteza.

A corrente de ar empestado e mefítico ficou mais forte. O cheiro de águas estagnadas e sem sol que ficavam em alguma profundeza imperscrutável, mesclado pelas narinas dos homens a um fedor nauseante como o de catacumbas infestadas de morcegos ou tocas de animais imundos.

— Eca! — resmungou Deming — Isso é pior que gorgonzola e tripas de raposa juntos.

O chão da caverna começou a se inclinar para baixo. Passo a passo o declive aumentou como um alçapão infernal, até que os amotinados mal podiam ficar de pé no escuro.

Remoto e discreto, como uma pequena mancha fosforescente, uma luz amanheceu nas profundezas. As paredes da caverna, dolorosamente caneladas e arqueadas, ficaram então discerníveis. A luz ficou mais forte à medida que os homens continuaram, e logo estava ao redor deles, derramando raios azuis-claros de uma fonte subterrânea indistinta.

declive terminou abruptamente e chegaram a uma vasta câmara cheia da estranha radiância, que parecia emanar do teto e das paredes, como um tipo de radioatividade. Estavam em uma elevação semicircular e perceberam, após cruzá-la, que ela terminava num corte e havia uma queda livre de mais ou menos quinze metros até uma grande lagoa no centro da câmara. Havia saliências no lado oposto da caverna que ficavam à mesma altura daquela em que estavam, e havia cavernas menores que partiam destas. Mas parecia que nenhuma das cavernas poderia ser atingida a partir da saliência em que terminara a descida. Separando-as, havia paredes perpendiculares que não permitiam nem por um momento que se apoiasse um pé em lugar algum.

Os três homens ficaram de pé à beira da lagoa e olharam em torno. Podiam ouvir o barulho do primeiro monstro-lagarto ainda na descida e podiam ver o brilho maligno de seu único olho enquanto ele avançava.

— Isto parece a última folha do último capítulo.

Roverton estava então olhando para baixo em direção à lagoa. Os outros seguiam seu olhar. As águas eram foscas, imóveis, escuras e não reluziam com o brilho azulado das paredes da caverna. Eram como algo que ficara dormindo ou morto por milhares de anos e o fedor que subia delas sugeria eras de lenta putrefação.

— Bom Deus! O que é aquilo?

Roverton notara uma mudança nas águas, um brilho curioso que vinha debaixo da superfície, como se uma lua afogada estivesse nascendo delas. Então a calma morta da lagoa foi rompida por um milhão de ondulações e uma vasta cabeça, gotejando com uma luminosidade nojenta, emergiu das águas. A coisa teria dois metros ou mais de largura, era horrivelmente arredondada e amorfa e parecia consistir principalmente de bocas arreganhadas e olhos arregalados, tudo costurado em um louco caos de malignidade e horror. Havia pelo menos cinco bocas, cada uma delas bastante grande para devorar um homem em uma bocada só. Eram desdentadas e elásticas. Distribuídos entre elas, os olhos ardiam como brasas satânicas.

Um dos monstros-lagarto tinha rastejado até a beira. Dúzias de pigmeus estavam reunidos ao lado e além, e alguns deles avançaram até onde estavam os homens. Eles olharam para a coisa medonha na lagoa e fizeram gestos desajeitados e genuflexões com suas cabeças, mãos e trombas, como se a estivessem invocando ou adorando. Suas vozes agudas se ergueram em um cantochão ondulante.

Os homens ficaram quase estupefatos de horror. A criatura no abismo era além de qualquer coisa das lendas e pesadelos terrestres. E os ritos do culto oferecido pelos pigmeus eram incrivelmente revoltantes.

— A Coisa é seu deus! — gritou Roverton — E eles vão nos oferecer em sacrifício!

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