Os Jovens Opressores

Não, este texto não citará Paulo Freire. Por mais presciente que o educador brasileiro tenha sido, este fenômeno que presenciamos atualmente não fica explicado pela tese segundo a qual “quando a educação não é libertadora, o sonho dos oprimidos é tornarem-se, também, opressores”. Oh, não! Acabei citando ao Paulo Freire…

Os jovens perigosamente flertam com o autoritarismo. Pode ser um tanto explosiva a combinação do desconhecimento histórico desses brasileirinhos, que não viveram as dores da ditadura, com a tola rebeldia que associam a tais ideias e os seus proponentes. Dizia Gessinger que “o fascismo é fascinante”. Parece estranho e inapropriado dizer isso, mas há um fundo de verdade.

Fascismo é, mesmo, fascinante porque, ao contrário do socialismo e de outras ideologias iluministas, ele decorre naturalmente dos fenômenos e forças que surgem espontaneamente na sociedade. Ou seja, caso as irrupções fascistas não sejam combatidas, elas tenderão a sempre crescer, especialmente nos momentos de crise.

O fascismo não é exatamente conservador e nem reacionário, e por isso é bobagem considerá-lo circunscrito à direita. O fascismo é estrábico, olha para os dois lados, pretende usurpar da esquerda o impulso civilizatório (mesmo deturpado) e da direita o desejo de proteger o sagrado (que não deve ser ameaçado). A combinação de teses mutuamente excludentes é que dá ao fascismo seu caráter de doublethink e o faz violento. Sendo impossível defender racionalmente aquilo que é essencialmente contraditório, a única maneira de “triunfar” no debate é pela supressão deste, trocar a argumentação pela propaganda e o questionamento pela obediência.

Mas o que há de fascinante nisso? Por que os jovens brasileiros, em vez de contestadores do status quo, resolveram aderir a um sistema ideológico assim?

Penso que há quatro aspectos que dão ao fascismo sua fascinação:

  1. Rebeldia mal direcionada.
  2. Respostas simples para problemas complexos.
  3. Sensação de pertencimento a um grupo.
  4. Transferência de poder simbólico.

Vou tentar explicar cada um desses itens:

1. Rebeldia mal direcionada.

O jovem não deseja pensar como os seus pais. Há uma fase do seu desenvolvimento em que passam a ver nos pais um modelo negativo, algo a não seguir. Para formar uma identidade própria, precisam “matar” metaforicamente a opressão patriarcal/matriarcal.

Há algum tempo já se percebia a “caretização” dos jovens. Desde, pelo menos, a virada do milênio já se falava em “pais modernos e filhos caretas”. Nos Estados Unidos ocorreu algo semelhante nos anos oitenta, pais hippies com filhos yuppies. Os primeiros determinados a mudar o sistema, os segundos focados em lucrar na exploração do sistema.

Parece claro, então, que essa rebeldia não decorre da maneira de criação das novas gerações. Parece um fenômeno mais “tectônico”, com um horizonte de mudança bastante longo. Uma geração de mente “aberta” parece sempre ser sucedida por uma geração conservadora ou reacionária (a depender da percepção das mudanças obtidas com a geração anterior).

Claramente, a esquerda consciente precisa compreender a natureza espontânea dessas mudanças, evitando atribuí-las meramente a uma ação conspiratória do “sistema”, que existe sim, porém não criou a base psicossocial de que se aproveita para alavancar seu poder político e cultural.

2. Respostas simples para problemas complexos.

Uma das funções da educação é oferecer orientação aos jovens que precisam aprender a decodificar o mundo em que vivem. Tal função se torna ainda mais central depois que a humanidade chegou a uma tal sofisticação tecnológica que a inserção no mundo do trabalho nas relações sociais passa a exigir conhecimentos complexos. Mas a educação pode falhar em seu propósito, então os jovens crescem desprovidos de meios intelectuais e culturais para decodificar a complexidade que os rodeia, atirando-os a uma cruel alienação. O resultado é encararem o conhecimento como barreira, cada mudança como uma ameaça e cada complexidade como um inimigo a se vencer.

Esta alienação dos jovens em relação ao significado da realidade e seu papel nela é um fator que os torna presas fáceis de muitas ideologias que pretendem “mastigar” a realidade para consumo das massas. Se as explicações corretas e lógicas parecem absurdas ao jovem, porque estão além de sua capacidade de compreensão, como podemos esperar que o jovem se insira nesse sistema? Parece mais fácil buscar um “atalho” até a sensação de segurança.

O fascismo oferece isso.

3. Sensação de pertencimento a um grupo

Pressão social é uma das forças mais intensas a moldar o caráter do jovem, especialmente quando ele entra na adolescência e sente a necessidade metafórica de “matar o pai”. É um fenômeno já bem conhecido essa facilidade com que os jovens entram em tribos das mais diversas, o que parece fazer parte do desejo de desenvolver uma identidade que, se não chega a ser, de fato, “própria”, pelo menos é diferente daquela com que teve contato no seio familiar. Uma identidade “escolhida” para substituir ou subsidiar aquela a que se sente forçado a aderir pela sociedade.

O fascismo é uma entre várias possíveis ideologias e espaços coletivos que oferecem a oportunidade de desenvolver uma tal identidade. Na ideologia do fascismo o jovem encontra elementos de grupo aos quais facilmente adere porque eles o tornam parte de uma nova identidade. Assim tivemos no fascismo tradicional o fascínio dos uniformes, por exemplo, ou um estilo peculiar de vestimenta.

O neofascismo evita ser tão explícito porque hoje os jovens valorizam estes aspectos exotéricos de sua identidade e não aceitariam mais tão facilmente um código de vestuário. Mas o pensamento uniforme ainda permite a identificação do jovem com o grupo ao qual adere por “escolha”, enquanto os acessórios e os símbolos menos conspícuos adquirem a função uniformizadora mais tangível. Um exemplo disso são esses jovens com camisetas que estampam o rosto de um ícone político.

4. Transferência de poder simbólico.

Ser membro de um grupo grande passa ilusão de poder simbólico. Isso pode ser atestado quando vemos os jovens neofascistas das redes sociais “curtirem” e difundirem grupos com títulos como “opressor”, ou mesmo a incorporação desse conceito em seu linguajar. Como, por exemplo, quando um garoto de classe baixa compra um item fetichista de consumo (tênis caro, por exemplo) e o ostenta nas redes sociais dizendo que é “muita opressão”.

Conclusões

Acredito que já é tarde para se prevenir o surgimento do neofascismo no Brasil. Ele já existe e já chegou à maturidade, o que se pode averiguar pela facilidade com que viralizam conteúdo de interesse da extrema direita (moralismo, teorias econômicas) e da tendência generalizada no sentido de combater as pessoas de quem discordamos, em vez de combater ideias que nos parecem incorretas.

Diante do cenário lúgubre que temos à frente, a esquerda deveria interromper sua autocrítica (principalmente a autocomiseração) e começar a planejar-se para as contingências do futuro. É difícil dizer que caminho trilharemos para que o tempo perdido possa ser recuperado e a maré retorne. Uma coisa é certa, porém, não adianta tentar evitar o confronto.

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