A Morte da Escrita É a Falta de Tempo

Quando eu era estudante, deparei-me certa vez com uma trova portuguesa, cuja auto­ria se perdeu nas trevas, que dizia o seguinte: “o tempo não me dá tempo/ de bem do tempo fruir / e nessa falta de tempo / não vejo o tempo fluir”. Como sempre ocorre quando nos deparamos com verdades que ainda estamos verdes para comer, demo­rei trinta anos para começar a digerir estes quatro versos singelos. A tristeza do escritor é a de não ter tempo para escrever, não poder desenvolver as […]

Agora que a Máscara Caiu

Terminado o concurso de novembro da “Entre Contos”, a identidade secreta do autor de “Gelo Negro” foi revelada, e agora estamos prontos para algumas reflexões que se fazem necessárias. A esta altura muitos dos leitores já deverão ter percebido algo de estranho neste conto — os comentários indicam que alguns deles acertaram o alvo. Acho que cabe, agora, prestar alguns esclarecimentos, se bem que eu não acredito que serão lidos. Este texto é uma sátira “Gelo Negro” foi concebido como uma tese para demonstrar a […]

O Rabo que Abana o Cachorro

Na minha postagem anterior ficou parecendo até que eu sou contra o autor fazer divulgação do seu trabalho. Não é nada disso. Não há nada de errado se o autor opta por divulgar seu trabalho, do jeito que pode. O que está errado é a inversão de prioridades que está ocorrendo: esta disponibilidade do escritor em divulgar o que faz ser percebida pelas editoras como um fator para dar preferência a tais autores. A tese de Danilo Venticinque diz que nenhuma editora preferiria um autor […]

Nós, Os Ridículos

Depois que Rafael Draccon afirmou que não publicaria Rubem Fonseca e recebeu as merecidas críticas, outros próceres do mercado editorial não tardaram a sair em sua defesa. Diferentemente de Draccon, que disse o que disse quase que por ingenuidade, os novos artigos são premeditados para alcançarem um efeito. E para isso empregam toda a técnica argumentativa que disfarça o absurdo óbvio (“não publicar Rubem Fonseca”) e enfatiza um novo modelo de negócio no qual o absurdo é o lugar comum. O artigo que eu me […]

Os Melhores Momentos Acontecem Depois

Fernando Pessoa escreveu em 1914 um poema chamado “Uns Versos Quaisquer”, que pode ser interpretado como um breve ensaio sobre a saudade, ou ainda melhor, sobre a “saudade falsa”, este sentimento que tanto faz parte da minha poesia (nem tanto da dele). Vive o momento com saudade dele      Já ao vivê-lo… Barcas vazias, sempre nos impele      Como a um solto cabelo Um vento para longe, e não sabemos, Ao viver, que sentimos ou queremos. A ideia de que o momento já deva ser vivido com […]

Fulano de Tal: Poeta e Escritor

Você já deve ter visto antes nas redes sociais: autor semiprofissional ou totalmente amador lança seus livros, lança saite, ou lança palavras na poeira, como eu. Todos procuram um lugar ao sol, mas nem todo mundo tem uma boa assessoria ou uma boa noção do que dizer. O resultado é que esses autores coloquem frequentemente os pés pelas mãos, ou digam bobagens achando que são naturais.As bobagens, curiosamente, sempre se repetem. Não há bobagens ditas isoladamente por uma única pessoa. Uma dessas bobagens que eu vejo frequentemente repetida é a expressão “poeta e escritor” (ou vice versa). O que passava pela cabeça de quem concebeu isto pela primeira vez?Antes que venham me dizer que existe uma razão de ser para isso, eu preciso seriamente indagar a quem pretenda defender esta discriminação:Acaso poetas não são escritores?

O Escritor e sua “Mania de Aparecer”

Um dos problemas de se ter um blogue na internet é que as pessoas ainda não se deram conta de que o direito autoral existe e, pior, não distinguem entre o abuso de direito autoral cometido por uma multinacional que chega a pagar propina a congressistas para estender os prazos de seus direitos, e os de um pobre autor amador e desconhecido que só os quer usar para obter reconhecimento pelo seu trabalho.

A Falta Que Faz a Profissionalização

Semana de Carnaval animada e acabo de tomar conhecimento da mais nova travessura do blogue LitFanBR, que costuma esculachar o mercado literário brasileiro, especialmente o voltado para a chamada «Literatura Fantástica» — esse termo genérico para toda obra que inclua coisas que não existem, sejam elas sobrenaturais ou não. Alguém, com o pseudônimo de Super Choque (imediatamente me veio à cabeça a imagem de um nerd negão com óculos de fundo de garrafa e uma fascinação por uniformes) publicou lá um texto que me evocou […]

Todo Mundo Quer um Fim do Mundo Só para Si

O vazio da existência exige que vivamos coisas grandes, posto que não somos grandes. Cada geração padece da crença de que o mundo está decadente e deseja viver tempos interessantes. Isso talvez seja uma explicação para a vontade que tanta gente tem de ver acabar-se o mundo, ou então é só um pretexto para eu postar alguma coisa hoje e atrair algum tráfego…

Colonização Subliminar

Um humorista, não me lembro se britânico ou americano, certa vez definiu “colonização” como o processo através do qual um povo “insere” dentro de outro algo, que pode ser uma comunidade imigrante, uma indústria multinacional, um regime de governo ou outra coisa, e o faz de forma tão profunda que o povo “colonizado” passa a levar aquilo dentro de si, imperceptivelmente. À parte o caráter escatológico e sexual desta metáfora, ela serve bem para mostrar como, em pequenos gestos, as pessoas vitimadas pelo lento e […]