A Arte de Ser Ridículo

Aonde quer que vá, tudo sempre igual: pessoas agindo comicamente e ele, aliviado por não ser bobo como elas, sentindo por dentro a nódoa de inveja pela felicidade irresponsável que podem ostentar enquanto ele arrasta a solidão, apenas ocasional e temporariamente minorada por relacionamentos passageiros.

Impossível, por exemplo, brincar o carnaval. Basta um bloco de sujos para sentir até vontade de rir daquelas fantasias e caretas estúpidas que fazem. O “Bloco das Piranhas” não lhe faz apenas vontade de rir: dá-lhe horror ver aqueles marmanjos vestidos e maquiados como fêmeas e dizendo indecências. Um amigo dizia-lhe uma vez que “em nossa cidade só se veste de mulher no Carnaval quem é bicha mesmo”. Uma das grandes vergonhas de sua vida é justamente ter saído fantasiado de Batman quando criança.

Beber álcool é algo que evita rigorosamente, por medo de ostentar no rosto os risos imbecis que os bêbados deixam escapar. Lhe enjoa pensar em sair pelas ruas como o famoso bêbado municipal, patrimônio do submundo local. A decadência personificada.

Quando à noite na rua, fica sentado no banquinho do bar, bebendo tônica com gelo e limão — sem perceber nisso nada de ridículo — e tentando paquerar alguma abstêmia, não-fumante e discreta que aparecesse por lá. Como nunca aparece, acabava com alguma alcoólatra, fumante e piranha, só por um corpinho bonito e o prazer mais proibido…

Aí, outro calvário. Nada épico, é claro: apenas a pequena e autêntica tragédia pessoal dessas pessoas sem grandeza e seu leve desespero que as faz sofrerem ridiculamente. Ao lado de seu amor, passa por situações que o expõem a todos os ridículos que antes pretendia evitar até às últimas conseqüências.

Se antes achava ridículo casais beijando-se em público com ardor de endoscopia, tem de aceitar, não sem um pequeno prazer, esta parte do script, exigida pelo ritual humano de acasalamento. Achava mortalmente estúpido uma mulher usar roupa de menos, mesmo no inverno? Agora se vê quieto ao lado de uma que as usa tão minúsculas que parecem trajes de banho ou retalhos de costura.

Um belo dia, depois de sucessivas tragédias o fim do amor sempre anunciado é real. E lá está ele de volta ao bar com a mesma cara e o mesmo ar de toalha-de-mesa. Sozinho com a água tônica e refletindo sobre as peças que a vida prega.

Depois de algumas semanas se desintoxica da vida e retorna à sua inerme abstinência de álcool e de sexo. Então volta a ser de novo a figura estranha que assombra nossas noites. Às vezes acontece-lhe ver o tal Beto Tomás, o “bêbado municipal”, a coisa mais parecida com um junkie que se pode encontrar no interior. Como sempre sujo e bem humorado em sua desgraça risível e inútil.

Pergunta “como vai?” a todos os rostos conhecidos que encontra e responde, se alguém lhe devolve um “e você?”: “entrado em ânus”. Nisso dá sua gargalhada e todos que estão em torno, por um momento, se esquecem da desgraça, da doença e da deformidade e riem dele.

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