Sentidos

O que fizemos foi muito belo, mas foi uma loucura sem sentido. O sonho é uma peçonha aparecida apesar do que somos nas manhãs. Estávamos lá entre coqueiros e sol, bonitos e molhados de mar, e até a porca que passou na praia mereceu entrar em um poema. — Mas como foi sem sentido, se sentimos tanto não ter sido eterno? Aquela noite ganhou cores, aqueles dias ficaram sólidos na alma e ainda hoje o teu perfume purifica-me. O que eu sei de sentidos é […]

O Fascínio do Latim

Os homens de lodo e de sono aguardam o fim da última vela repetindo com vozes defuntas suas preces de cor sem sentido. O fascínio do latim está perdido e a força do fantástico apagou-se, nenhum Aquiles romperá o nada para lutar contra palavras ocas. A Torre de Marfim sofreu o golpe, os que nela vivem se espantam, mas as plantas crescem sem Platão e os pássaros não ouvem Nietzsche. De dentro do esterco nasce a rosa, de dentro dos ruídos, porém, nada. Nada nas […]

No Pomar, Entre Pés de Laranja

Nisto que chamam mudez escondi meu cemitério, é nos signos antigos que ficam velhos pecados guardados. Não há porque pecar de novo, as velhas festas se foram e os desejos não ardem mais. Não há porque tentar de novo com palavras provisórias porque não têm o peso de antes. A velocidade não me seduz, todo esse ruído é intragável, espero é que caia chuva no pomar, entre pés de laranja, para que frutifiquem as flores. Existe beleza nas gotas e seu terno ruído contado, nisto […]

A Uma Poetisa

Isso não é nem literatura, mas desabafo de amargura de que será capaz todo ser vivo. Falta beleza, falta um motivo que me prenda as linhas, curioso. Não que tenha sido horroroso: apenas ausente de um dedo que é preciso para ser poetisa, não basta ter raiva, falta medo falta alguma coisa imprecisa que se ganha com a dor dos anos e nos faz, no fim, seres humanos. Não se faz poema triste tendo tanta alegria, nem quando você insiste. Se quer tomar poesia tome […]

Uma Lua Aveludada

Uma lua aveludada acarinha minha solidão e amortece mais o som cavado e longínquo da sinceridade em meu coração e respiramos em silêncio a luz de anêmona, desta luz-feitiço que reveste a noite de um pensamento iníquo.[^1] Você trouxe uma taça de licor quando entrou e dominou-me pensamentos, palavras, atos e omissões. A noite depois se dobrou sobre nós e vento bateu as janelas e derrubou o livro pelo chão. Corujas piaram na escuridão, o vago e incriado exterior, contamos os minutos no relógio ouvindo […]

As Nuvens Por Travesseiro

O cobertor de nuvens me envolve e amortece os sons enquanto eu me estendo sonolento ao lado de meu amor que respira bem suave e a lua sobe.[^1] A noite continua, eu fecho a porta e deixo o livro pelo chão: a escuridão se põe em morros calmos, a estação mudou e o vento é morno. Criaturas se levantam, outras dormem. Retenha os seus sonhos, sonhos fogem. Ao gramado chega uma chuva fria que anuncia um amanhecer dourado. E o som do novo dia ergue-se […]

O Amor Partido

O amor partido deixa dentro da saudade a marca de saudades mais profundas e anteriores. Saudades que não são vontades. As saudades que lhe tenho, ex-amor, não querem tê-la mais; querem algo que não se sabe. Quando a vejo agora, não sinto nada. Porém quando a vejo em sonhos, sinto uma quase dor. Eu amo ainda quem você foi, mas esqueci quem você é. Até os ciúmes que lhe tenho agora não são de você estar com outro, mas de ter estado comigo. Esta espécie […]

Quase Perdido

Estou perdido e sem poesia numa vida alheia que invadi. Sinto-me intenso e estranho e nada mais ruge dentro de mim. Nas palavras não restam dilemas e nem poeira de estrelas repousa sobre sonhos que murcharam. Logo estará deserto o dia e eu dormirei uma paz sem hora. Metade de minha própria história corro em busca do metal mais raro. A outra metade está sem graça porque repousa para cada dia. Sinto tenha sido assim. Mas as palavras, ainda que isentas, Serão sempre um falso […]

Considerações sobre a ingenuidade

É preciso ter a ingenuidade que só a ignorância permite. Somente assim é possível a coragem de dizer certas coisas que, mesmo necessárias, permaneceriam caladas na boca do sábio que as reconhece ditas por outras bocas, de outros sábios. Lá fora brilha um sol de versos e de flores e os sorrisos denunciam que morreu o inverno. Outro poema aberto jaz diante dos autores E ninguém consegue expressar sua certeza nele. Porque esse poema ecoa outro poema que nasceu de outro numa genealogia infinita de […]

Improviso

O poema nasce, às vezes, como uma necessidade dos dedos. O toque deles contra as teclas, o prazer de ver as palavras formarem-se das letras, tornarem-se negras e deitarem-se na página. A frustração de retornar a apagar, o apego apertado de saber que o cursor retorna implacável condeno o erro a não ter havido. E aquele eterno temor de talvez haver algum perigo à espreita que destrua o arquivo, que delete inapelavelmente o esforço despencado em um verso. O poema, às vezes, nasce uma necessidade […]