Uma Foto Infeliz

“Fica proibida, por decisão administrativa, a realização de eventos nas dependências da empresa, a não ser os organizados pela direção” — dizia o cartaz afixado no quadro de avisos da sala de café. Assim, seca e burocrática, era a reação, previsível, das instâncias superiores. Como todos, Geraldo já esperava por algo parecido, mas não deixava de ficar surpreso: — Dizem que os manda-chuvas não ficaram nem um pouco felizes com as imagens da festa de fim de ano que surgiram na net — observou Lula. […]

Secretária Eletrônica

Um dia Mariana abandonou Roberto, sem explicações e sem rituais. Apenas foi-se embora de sua vida, sem que mesmo fosse para ir viver com outro homem. Revoltado, magoado, diminuído, ele passou dias remoendo a raiva, impotente. Por fim rendeu-se à paixão: ligou para o auxílio à lista e descobriu seu novo telefone. Sem pensar duas vezes, ligou para fazer juras de amor, na esperança da volta. Debalde, quem atendeu foi a secretária eletrônica: — Aqui é 3666–4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal. […]

A Pilastra

Fernanda recebia cada bloco de mármore como outro desafio. Havia muitos, mutilados, espalhados pela sua oficina. Com o tempo aprendera a emendar seus erros transformando grandes obras em pequenos objetos. Uma estátua fracassada virava um monte de pequenos ornamentos, utensílios, pesos de papel em formatos variados. Liberta da necessidade de produzir algo grandioso, infundia ao mármore a inocência de cachorrinhos, escaravelhos, palhacinhos. Tais minúsculas manifestações migravam de seus sonhos para suas mãos e se instalavam na pedra como garatujas de uma adolescente em um caderno […]

Quando Morreu Minha Poesia

Quando morreu minha poesia passei a viver sem uma alma e tenho estado assim, semi-cadáver, faz tantos anos que nem lembro se fui completamente humano, como pude saber sorrir. Tornei-me alguém sem sentido, abdicando de prazeres e formas e esta hemi-pessoa que fiquei suporta mal sentimentos, próprios e alheios, sustenta mal ilusões de feitos que nunca passarão de projetos. Há tanto tempo que acostumei-me e tenho feito isso sem querer — suavemente abandonando sonhos, sinteticamente assaltando signos e deixando tudo atravessado, deixando tudo me deixar, sorvendo […]