A Perdição do Homem (Beatrix e Jeannelynne)

“Ó amiga e companheira da noite, ó tu que te regozijas no ladrar dos cães e no sangue derramado, que perambulas por entre as sombras entre as tumbas e trazes terror aos mortais! Gorgo! Mormo! Lua de mil faces, contempla favoravelmente os nossos sacrifícios”― H. P. Lovecraft (em “O Horror em Red Hook”) A porta se fechou e Beatrix suspirou o temporário alívio da primeira noite. Mas não se recostou para dormir, sabia-o impossível. Como recostar a cabeça em um travesseiro antecipando que o segundo […]

A Dama Pé de Cabra

> Conforme promessa antiga, eis minha primeira tentativa de transformar a antiga lenda portuguesa da Dama Pé de Cabra em um conto de terror ao gosto moderno. Preservei o tratamento em segunda pessoa para dar um ar medieval ao texto (que é, de fato, ambientado na Idade Média), e procurei evitar, ao máximo, toda modernização que violasse o espírito do original. Sendo assim, as personagens do sexo feminino são deixadas em segundo plano a ponto de nem terem nome. Esta versão, porém, expande a história […]

Não Tenho Mais Medo de Andar na Contramão

Compartilharam no Facebook o conselho dado por dois autores americanos (de que nunca ouvi falar) segundo o qual devemos perder o medo de escrever sobre “what we don’t know”. Os demônios da tradução criaram a ambiguidade entre “saber” e “conhecer” e assim surgiu um ótimo tema para debate. Em inglês tal conversa seria impossível, pois os dois verbos se amalgamam em um único. Mas em português há uma rica semântica na oposição deles, e podemos tergiversar sobre o proveito de escrever sobre o que não […]

Yuri e Natasha

Enquanto pesquisava sobre música soviética, em relação àquele post malu­qui­nho sobre a música do jogo Super Mario World ter sido baseada no Hino da União Soviética, fui tendo contato com o universo musical comunista e entendendo como era sufocante a vida cultural então. Certamente nem eu e nem você gostaríamos de viver aquilo. Imaginemos então o nosso herói, o Yuri, um exímio guitarrista, que estudou guitarra clássica no conservatório e atravessou a adolescência ouvindo discos contrabandeados de Black Sabbath, Beatles, Bee Gees, Pink Floyd e […]

O Terceiro Episódio de Vathek, a Fanfic de Ashton-Smith

Foi através da mera citação deste título intrigante que eu fiquei sabendo da existência de Clark Ashton-Smith e de sua relação com H. P. Lovecraft. Na época eu estava lendo vorazmente todos os textos do cânone lovecraftiano e a sua relação com Ashton-Smith me chamou a atenção. Infelizmente, porém, por ser um texto longo e de linguagem rebuscada, demorei muito a empreender sua leitura. Quando terminei, passei dias estupefacto. Em algum momento eu devo publicar neste blogue uma análise da sexualidade mórbida que transpira das […]

Resenha: Vulthoom e o Ciclo Marciano de Clark Ashton-Smith (Sem Spoilers)

Clark Ashton-Smith foi um poeta e autor de ficção fantástica americano, amigo e correspondente de H. P. Lovecraft e de uma penca de outros autores famosos. Apesar de seu inegável talento, passou a maior parte de sua vida na pequena cidade de Auburn, fazendo trabalhos braçais para sobreviver. Morreu em 1961, sem filhos. Sobre sua obra, já escrevi um artigo que seria bom ler antes deste. Vulthoom pertence ao curto ciclo das histórias que Ashton-Smith ambientou em um Marte fantástico que deve muito à concepção […]

Gelo Negro

Fjálar saiu de casa ainda em jejum em outro dia cinzento de outono. Não estava feliz, haviam ligado da delegacia avisando que Oláfur não fora tra­balhar e teria de fazer a patrulha matinal com algum novato. Dormira mal. Doíam-lhe os joelhos, doíam-lhe as costas, doía-lhe a alma. Tudo de que não pre­cisava era tentar acompanhar um novato ani­madinho. Por isso regurgitou algumas ofensas ao maldito beberrão e seus antepassados. Ele estaria cer­ta­mente em casa de ressaca, depois de outra noite de apostas e de envolvimentos […]

Procuramos Escritores Amestrados

Houve um tempo em que a epítome da injustiça poética era julgar o livro pela capa. Não só esse julgamento ficou mais difícil hoje, dada a proliferação das facilidades para produzir belas capas, como se tornou mais violenta a briga em torno dos acessórios. Afinal me parece que, no mundo editorial, faz-se de tudo para não ter que lidar com literatura, afinal [sic]. Por acessórios eu me refiro a tudo aquilo que se espera que os escritores façam, além de escrever. Não basta o cara […]

[Tradução] Abandonados em Andrômeda [3]

As horas se arrastaram. Eles conversaram com uma loquacidade esporádica, mas febril, em um esforço para vencer o nervosismo de que tinham plena, mas incontrolável, consciência. Homens fortes e maduros como eram, sentiram-se às vezes como crianças sozinhas no escuro, com uma horda de monstruosos terrores cercando-os de todos os lados. Quando o silêncio caía, a informulável estranheza e horror das trevas circundantes parecia chegar mais para perto, e eles não ousavam ficar calados muito tempo. […]

[Tradução] Abandonados em Andrômeda [2]

Os amotinados sentiram certo alívio. Qualquer coisa, mesmo a morte súbita pela inalação de uma atmosfera irrespirável, seria melhor do que o longo confinamento. Estoicamente, como condenados à morte, eles se prepararam para o mergulho fatal no desconhecido.

Os negros minutos se esgotaram e então as luzes elétricas foram acesas. A porta se abriu e Jasper entrou. Ele removeu em silêncio as amarras dos três homens, então se retirou e a porta foi trancada para eles pela última vez.[…]