A Mulata Globeleza Não É Beleza

Este artigo é uma resposta a esta postagem no Facebook. Cobri o nome da pessoa porque existe risco de vergonha alheia. A ilusão da liberdade é uma das formas mais eficazes de perpetuar a servidão. Faça com que o indivíduo creia que suas escolhas são livres e ele se orgulhará de sua canga e morderá em quem tentar retirá-la de seus ombros. A mulata Globeleza deve ser combatida, sim, porque aquela mulher que ali está não é livre para escolher aonde pode estar. Quantas opções […]

Ainda Será Possível Falar do Brasil?

Parece que o Brasil virou crime. É impossível falar do país que é nosso sem desagradar a alguém. Para toda tentativa de se abordar a história e cultura nacional haverá um grupo que se ofenda e que se defenda. É como se fosse preciso passar uma borracha sobre todo o tempo até ontem e começar a viver de novo em prol do amanhã. Qualquer coisa menos que isso será controversa. Minha percepção desse absurdo vem crescendo há algum tempo, mas o alarme soou quanto li […]

Impressões da Leitura de “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad

> Atenção: Este texto contém “spoilers” e deverá ser lido somente por quem já tenha lido “Coração das Trevas”. Deixei passarem algumas semanas desde minha leitura deste ótimo livro antes de começar a comentar, a fim de evitar que os comentários do tradutor e do editor me influenciassem numa direção ou noutra. Para permitir que somente o impacto potente desta obra fenomenal determinasse o que eu escrevia sobre ela. “Coração das Trevas” é um clássico absoluto, e é um livro também desafiador e simples. Parte […]

Reflexões Tardias a Respeito do Atentado do “Greenpeace” Contra os Geoglifos de Nazca

Aguardei um pouco para escrever alguma coisa sobre o caso da intervenção do Greenpeace no Peru porque as minhas ideias sobre o caso ainda estavam muito misturadas, só que elas ainda estão e eu me sinto ainda assim compelido a dizer alguma coisa, com base em impressões que eu já tinha antes, e que só foram confirmadas pelo que aconteceu. Meu comentário se baseia na paulatina observação da cultura de massas que nos é imposta pelos Estados Unidos — cinema, revistas em quadrinhos, televisão — […]

A Fazenda da Serpente, 8

> Parte da série [A Fazenda da Serpente](/lit/2014/10/nova-serie-a-fazenda-da-serpente) As chances não pareciam boas. Demóstenes e seus homens conheciam os arredores e certamente a fuga de Rufino não era a primeira. Mas o tenente não queria se entregar tão fácil, nem deixar tantas boas armas e munições nas mãos daqueles mise­ráveis. A um aceno Maneco o seguiu, mesmo ainda não entendendo nada, porque adquirira a sabedoria que o medo ensina nessas horas. Correram pelos fundos da casa, mas Rufino sentia nos ossos que seriam cercados. Lembrou […]

Yuri e Natasha

Enquanto pesquisava sobre música soviética, em relação àquele post malu­qui­nho sobre a música do jogo Super Mario World ter sido baseada no Hino da União Soviética, fui tendo contato com o universo musical comunista e entendendo como era sufocante a vida cultural então. Certamente nem eu e nem você gostaríamos de viver aquilo. Imaginemos então o nosso herói, o Yuri, um exímio guitarrista, que estudou guitarra clássica no conservatório e atravessou a adolescência ouvindo discos contrabandeados de Black Sabbath, Beatles, Bee Gees, Pink Floyd e […]

Resenha: Vulthoom e o Ciclo Marciano de Clark Ashton-Smith (Sem Spoilers)

Clark Ashton-Smith foi um poeta e autor de ficção fantástica americano, amigo e correspondente de H. P. Lovecraft e de uma penca de outros autores famosos. Apesar de seu inegável talento, passou a maior parte de sua vida na pequena cidade de Auburn, fazendo trabalhos braçais para sobreviver. Morreu em 1961, sem filhos. Sobre sua obra, já escrevi um artigo que seria bom ler antes deste. Vulthoom pertence ao curto ciclo das histórias que Ashton-Smith ambientou em um Marte fantástico que deve muito à concepção […]

Como Ensinar Literatura a uma Criança?

Este domingo me ofereceu um desafio literário incomum: minha filha me pediu que lhe ajudasse a escrever uma redação para um concurso. Gabriele tem, aos dez anos, toda a ingenuidade e a fantasia de uma criança que ainda não perdeu a pureza. Ela ainda não conhece quase nada das dificuldades da vida, das frustrações, dessas coisas que nos fazem desperdiçar sorrisos e cabelos com o passar dos anos enquanto vemos esgotarem-se todas as oportunidades que tínhamos sonhado. Por isso ela acha que é possível, da […]

O Preço da Passagem [3]

Não percebi quantos dias passei naquele lugar. Dizem-me que foram cinco. Nos primeiros dois ou três o homem do quepe tentou extrair de mim alguma informação sobre as pessoas com quem estivesse envolvido. Mas de alguma forma, segundo consta dos relatórios a que hoje tenho acesso, graças ao habeas data, eu apenas circulava em torno da ideia de ter entrado em algum barco em companhia da falecida Jurema, de ter saído sozinho e a deixado lá. Assinado um tal Tenente Cavalcanti.

O Preço da Passagem [2]

Tardou ainda por algum tempo incontável, mas não demasiado que nos desesperasse. Soou uma outra buzina de navio indo para o mesmo lado do primeiro. Ouvimos o já conhecido chapinhar de pás, sentimos o farfalhar das roupas da multidão, talvez ansiosa, acendeu-se a trêmula luz vermelha de uma lanterna e o batel encalhou na areia. Desceu o barqueiro vestido da mesma maneira monacal que os anteriores, o rosto recoberto pela sombra de uma dobra de tecido — e dentro dela um brilho desagradavelmente avermelhado e solitário.