Ode ao Palhaço

Um homem extremamente infeliz não consegue nunca crer na profundidade do abismo. A infelicidade necessariamente induz ignorância: somente esquecendo um pouco é que se pode tolerar a pressão das lágrimas que a alma exige, mas que os olhos não querem dar. Melancolia é diferente, há uma tristeza pouco aparente entre não ser alegre e não ser feliz. Pouca gente sabe, mas existem infelicidades muito alegres.

O homem vivendo no extremo da felicidade aprende a fingir: somente quem finge consegue sobreviver ao espelho quando ele é sincero demais. Ausentando-se da sabedoria do mundo, o parvo não percebe sua dor. Dança o palhaço em meio à culpa e o abandono. Dança, triste palhaço, dança e chora por detrás de tuas gargalhadas e de teu nariz vermelho.

A dança dos tolos é uma arte, uma arte de sobrevivência. Nas maiores tragédias surgem os maiores humoristas, nos abismos mais profundos da alma nascem as mais delicadas estrelas bailarinas. A alegria é a vingança do infeliz contra o mundo: através de seu doce ópio ele se liberta, transcende-se. Somente os que fingem conseguem ser livres: os sinceros são escravos da própria coerência.

Tu que te tornaste sábio nesta arte de dançar diante das trevas, fazendo dos fantasmas a plateia de teus passos, dança! Dança e sê feliz, porque nós não somos. A tua dor não rouba de tuas mãos isso que trazes da infância. Dança, palhaço. Dança, que te aplaudimos e admiramos enquanto miramos além da janela a paisagem cinza que construímos. Colore de vermelho e de esperança esta paisagem de cimento. Precisamos de ti.

Tu que te tornaste ridículo, somente tu enxergas os caminhos destas almas verdes que fenecem cedo. Ris para eles, eles não entendem, eles te enxotam. Somente os velhos, somente os que entenderam a dor, somente eles são capazes de rir de ti, palhaço das ruas, poeta das nuvens.

Tu, somente tu, enxergas ao redor. Tua capacidade de enxergar a dor alheia e tratá-la, mesmo sendo sem remédio, torna-te melhor. Mira os erros e defeitos da alma vagabunda que verga sob o peso da modernidade. Mira, mas não erra! Que é preciso matar esse mostro que se chama mágoa.

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