[Tradução] Abandonados em Andrômeda [6]

> [Original de Clark Ashton-Smith](http://letraseletricas.blog.br/lit/2013/05/traducao-abandonados-em-andromeda-clark-ashton-smith)

A borda não estava tomada pelos pigmeus e o monstro lagarto tinha avançado até que os três homens não tinham mais espaço do que o suficiente para ficarem de pé na beira do precipício, sobre um arco em lua crescente formado por seu corpo.

A cerimônia executada pelos pigmeus chegou ao fim, suas genuflexões e cantorias cessaram e todos voltaram seus olhos para os amotinados em uma contemplação simultânea e atenta. Os quatro que montavam a criatura lagarto exprimiram em uníssono uma simples palavra de comando:

— Ptrahsai!

O monstro abriu sua bocarra e avançou com a mandíbula pendente. Seus horrendos dentes eram uma grade em movimento, seu hálito um vento fedido. Não havia tempo para o terror e nenhuma chance de resistir: os homens cambalearam e escorregaram na borda estreita e caíram simultaneamente no vazio. Na queda, Roverton agarrou automaticamente o mais próximo dos pigmeus, segurou a criatura pela sua tromba e a trouxe consigo enquanto caía pelo ar. Ele e os companheiros mergulharam na lagoa levantando muita água e afundaram até bem abaixo da superfície. Com uma coordenada presença de espírito eles todos se aproximaram o mais perto que puderam da parede da caverna e começaram a procurar onde se apoiar. Roverton não soltara seu pigmeu. A criatura ganiu ferozmente quando sua cabeça surgiu acima da água e tentou arranhá-lo com suas longas unhas dos pés.

O precipício era liso e íngreme a partir da beira d’água, sem nenhuma reentrância visível. Os homens nadaram desesperadamente em volta, buscando uma abertura ou uma beirada. A coisa com bocas e olhos começara a se mover em sua direção e eles se sentiam nauseados de terror e repulsa ao verem-na flutuar fosforescente. Havia uma deliberação maldita, uma vagarosidade apavorante em seu movimento, como se soubesse que não havia por onde suas vítimas pudessem fugir ao arreganhamento elástico daquelas cinco abomináveis bocas. Ela se aproximou, até que a parede da caverna junto aos nadadores ficou brilhante com refulgência vil da cabeça pendente. Eles podiam ver abaixo e além da cabeça o brilho distorcido de um longo e amorfo corpo submerso nos abismos negros da lagoa.

Roverton era o que estava mais perto do monstro quando ele se aproximou. Seus olhos malignamente arregalados estavam totalmente voltados para ele e sua boca mais protuberante se abria mais largamente e babava uma gosma execrável. Logo ela estava ao seu lado e ele podia sentir a inexprimível corrupção de seu hálito. Foi empurrado para a parede da caverna e, conseguindo se estabilizar por um momento, empurrou o pigmeu em direção à boca que se aproximava. O pigmeu berrou e lutou em um estado frenético de medo até que os horríveis lábios babosos se fechassem sobre ele. O monstro pausou, como se seu apetite e sua curiosidade se tivessem aplacado por ora e os três homens tiraram vantagem disso para continuar sua exploração da parede.

Subitamente eles perceberam uma abertura baixa no rochedo liso, de onde as águas fluíam com um borbulhar silencioso. A abertura era estreita e seu teto deveria estar bem menos de meio metro acima da superfície. Ela poderia ou não oferecer uma fuga da lagoa, mas não fora possível detectar outra saída. Sem hesitação Adams nadou para dentro da abertura e os outros o seguiram.

As águas abaixo ainda eram profundas e eles não tocaram o fundo em lugar algum. As paredes da caverna menor eram luminosas no começo, mas a luminosidade logo cessou e ficaram em absoluta escuridão. Nadando em frente, não podiam mais sequer avaliar a altura da bolsa de ar acima. Nunca, porém, se sentiram compelidos a mergulhar sob a superfície e logo descobriram que a caverna se alargara o bastante para permitir que nadassem lado a lado. Também perceberam que tinham sido tomados pelo fluxo de uma torrente que se intensificava e que os levava a uma velocidade considerável. Como não havia sinal de perseguição pelo monstro da lagoa, os homens começaram a sentir um leve reavivamento da esperança. Claro que a corrente poderia carregá-los para as entranhas daquele terrível muito trans-estelar ou poderia atirá-los a qualquer momento em um abismo medonho, ou o teto poderia abaixar e amassá-los sob a força das fétidas águas. Mas mesmo assim eles sentiam que havia uma chance de emergirem ao final, e quase qualquer coisa seria melhor do que a proximidade do monstro luminoso de hálito mefítico e numerosos olhos e bocas. Provavelmente a caverna em que nadavam então era estreita demais para permitir a entrada de sua massa nojenta.

Por quanto tempo flutuaram na acelerada corrente, era impossível que soubessem. Tudo que podiam saber era que não havia mudança em sua situação, nem podiam estimar o quanto haviam penetrado naquele mundo subterrâneo. A escuridão pesava sobre eles, parecendo não ser menos opaca e densa que a água e as paredes da caverna. Eles se resignaram com a progressão no escuro da corrente, economizando suas forças o quanto podiam, para qualquer emergência futura que pudesse aparecer.

Por fim, quando parecia que estavam irreparavelmente perdidos nas sólidas trevas abissais, quando seus olhos já haviam esquecido a própria lembrança da luz, a escuridão diante deles foi penetrada por um pontinho de luz. A luz cresceu devagar, irregularmente, mas por um momento tiveram dúvida de sua natureza, sem saber se estavam se aproximando de outra câmara fosforescente ou da verdadeira luz do dia. Mesmo assim eles ficaram gratos por seu ralo brilho. A corrente se tornara ainda mais veloz e agitada, com trechos de corredeiras entre rochas pelos quais a descida era impetuosa e arriscada. Mais de uma vez foram quase jogados contra as escuras e ásperas massas que se erguiam em torno de si.

De repente a corrente se acalmou e as corredeiras fervilhantes morreram em uma lagoa ampla sobre a qual a altura de um domo de caverna era discernível. A luz se derramava em um jorro de radiância pálida através da lagoa, vinda de onde evidentemente estava a boca da caverna, e além desta uma larga lâmina de água iluminada pelo sol se estendia e se perdia na distância luminosa.

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