Tradução: A Vinda do Verme Branco, 2 (C. A. Smith)

De volta à sua casa antes da noite, queimou junto a cada porta e janela as resinas que são mais ofensivas aos demônios do norte, e em cada ângulo por onde um espírito pudesse entrar ele situou um de seus familiares para guardar contra a intrusão. Depois, enquanto Ratha e Ahilidis dormiam, ele pesquisou com cuidado diligente nos escritos de Pnom, nos quais estão coletados muitos exorcismos poderosos. Mas o tempo todo, enquanto lia para seu conforto os velhos autógrafos, ele se lembrava melancolicamente dos ditos do profeta Lith, que nenhum homem entendera:

> Há Um que habita no lugar do frio extremo, e Um que respira onde ninguém mais conseguiria ter ar. Em dias que virão Ele aparecerá entre as ilhas e cidades dos homens, trazendo consigo a maldição branca do vento que sopra em sua residência.

Embora um fogo ardesse em sua câmara, revestida de grossos pinheiros e tere­bintos, um calafrio mortal pareceu tomar o ar com o anoitecer. Então, quando Evagh, preocupado, retirou dos pergaminhos a sua atenção e viu que as chamas eram altas como se não precisassem de mais lenha, ele ouviu o agito súbito de um grande vento cheio dos gritos assustadores de aves mari­nhas e de aves terrestres que se arrastavam com asas inúteis, e acima de tudo uma risada estrondosa de vozes diabólicas. O vento do norte bateu louca­mente contra suas torres quadradas e pássaros foram atirados como folhas mor­tas de outono contra suas janelas de madeira sólida, demônios pareciam fen­der e empurrar as paredes de granito. Embora as portas estivessem fecha­das e as janelas, firmemente trancadas, uma lufada gélida circulou a mesa onde Evagh se sentara, arrancando de seus dedos os largos pergaminhos de Pnom e fazendo a chama da lâmpada bruxulear.

Em vão ele lutou para lembrar, com os pensamentos amortecidos, aquele con­trafeitiço que é o mais eficaz contra os espíritos do quarto boreal. Então, estra­nhamente, pareceu que o vento diminuiu, deixando pela casa uma quie­tude imensa. O sopro gelado desapareceu, a lâmpada e a lareira queimavam com firmeza e algum calor lentamente retornou aos ossos enregelados de Evagh.

Então ele percebeu que uma luz brilhava além das janelas de sua câmara, como se uma lua tardia tivesse nascido além dos rochedos. Mas Evagh sabia que a lua estava no início do quarto crescente, e se punha com a maré. Parecia, também, que a luz brilhava do norte, pálida e frígida como um fogo gelado, e chegando à janela ele viu um grande raio que atravessava todo o mar, pare­cendo vir do polo oculto. Àquela luz, as rochas eram mais pálidas que o már­more, a areia era mais branca que o sal e as cabanas dos pescadores eram mais como túmulos caiados. O jardim murado de Evagh estava ocupado pelo raio de luz e todo o verde tinha sumido de sua folhagem, todas as flores tinham se tornado como flocos de neve. E o raio incidia penetrantemente sobre as pare­des inferiores de sua casa, mas deixava ainda na escuridão a parede da câmara superior de onde ele o observava.

Ele pensou que o raio saía de uma nuvem pálida que surgira sobre a linha do mar, ou talvez de um pico nevado que se erguera em direção ao céu durante a noite, mas não teve certeza. Observando, viu que a luz se erguia mais alto até os céus, mas não sobre sua parede. Tentando em vão entender o significado de tal mistério, ele teve a impressão de ouvir no ar ao redor uma voz doce e mágica. Falando em uma língua que ele não conhecia, a voz pronunciou um encantamento de sono. E Evagh não pode resistir ao encantamento, sobre ele caiu uma dormência como o sono a que sucumbe o sentinela cansado em um lugar gelado.

Acordando assustado ao amanhecer, ele se levantou do chão duro onde esti­vera deitado e contemplou uma estranha maravilha. Pois eis que na baía estava um iceberg mais alto que qualquer outro que os navios haviam avistado em todas as suas navegações do norte, e mais alto que os citados pelas lendas das obs­curas ilhas da Hiperbórea. Ele preenchia o porto de lado a lado, e subia a alturas incomensuráveis, com escarpas empilhadas e precipícios em degraus, e seus pináculos eram como torres, mais altos que as da casa de Evagh, que ficava sobre uma montanha. Era mais alto que o temido monte Achoravomas, que vomita rios de chamas e pedras líquidas que fluem incessantemente pela Terra de Tscho Vulpanomi rumo ao continente austral. Era mais íngreme do que a montanha Yarak, que marca o lugar do polo boreal e dele recaía uma lân­guida cintilação sobre o mar e a terra. Mortífera e terrível era a cintilação e Evagh soube que esta era a luz que vira na escuridão.

Ele mal podia inspirar por causa do frio que estava no ar e a luz do imenso ice­berg feria seus olhos com uma intensidade excessiva. Mesmo assim ele perce­beu uma coisa estranha: os raios daquela cintilação recaíam indireta­mente em ambos os lados de sua casa, e que as câmaras inferiores, onde Ratha e Ahilidis dormiam, não eram mais tocadas pelo raio como durante a noite, e que sobre sua própria csa não havia mais nada a não ser o sol matinal e as sombras do alvorecer.

No litoral abaixo ele via os carvões da galera encalhada, e entre eles os brancos cadáveres inconsumíveis pelo fogo. E pelas areias e rochas os pescadores esta­vam deitados ou de pé em posturas rígidas e imóveis, como se tivessem saído de seus esconderijos para contemplar o raio pálido e tivessem sido abatidos por um sono mágico. E toda a margem da baía, até o jardim de Evagh, até mesmo até a soleira de sua porta, era como um lugar totalmente coberto por uma geada espessa.

Outra vez ele se lembrou do dito de Lith, e foi com muito receio que desceu ao térreo. Lá estavam o garoto Ratha e o velho Ahilidis, inclinados junto à janela norte, com as faces voltadas para a luz. Rígidos eles permaneciam, com olhos muito abertos e um pálido terror em suas faces, sobre eles estava a morte branca da tripulação da galera. E ao se aproximar deles o feiticeiro foi detido pela terrível frieza que o atingiu, proveniente de seus corpos.

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