O Humor, à Direita e à Esquerda

Dependendo do tipo de pensamento político de cada um, serão expressadas diferentes visões do que seja humor, ou deva ser. A ideologia subjacente ao pensamento do indivíduo condicionará não somente suas atitudes e dizeres, mas também as categorias com que classifica o mundo real. Sendo o humor um fenômeno existente no mundo real, ele também será entendido de forma diferente, e classificado em compartimentos diferentes conforme a ideologia de quem o entende e classifica.

A Partição da Polônia pelas potências europeias em cartum político do fim do século XVIII.

Tipicamente o humor de esquerda, que tem mais raí­zes his­tó­ri­cas, se baseia no velho ditado latino: Ridendo cas­ti­gat mores (com o riso, cas­ti­gai os cos­tu­mes). Para o humor de esquerda, fazer rir é fazer pen­sar e, por­tanto, o humo­rismo é neces­sa­ria­mente polí­tico. É um tipo de humor que anda passo a passo com o debate social, que se pre­o­cupa com a rea­li­dade. Pos­sui uma longa tra­di­ção, desde os come­di­an­tes gre­gos, como Aris­tó­fa­nes, pas­sando pelos auto­res satí­ricos roma­nos, como Apuleio, e por res­pei­tá­veis nomes da cul­tu­ra ocidental, como Erasmo de Roterdã (Elogio da Loucura), Padre Vieira (A Arte de Furtar), Voltaire (Cândido) e Charles Chaplin (O Grande Ditador).

O humorista de esquerda é alguém que denun­cia o que con­si­dera errado e injusto, de acordo com a sua con­cep­ção pes­soal de mundo. Fazer humor pela esquerda é mani­fes­tar um certo “mal-estar” em rela­ção ao que todos acei­tam como normal. Não por acaso o humo­rista mui­tas vezes foi visto como uma espé­cie de cons­ciên­cia moral da socie­dade.

“O que este país precisa é de um bom inseticida mental”. Cartum de Dr. Seuss denunciando a “praga do preconceito racial”.

Algumas pes­soas pode­rão con­cor­dar e outras dis­cor­dar da opi­nião pes­soal do humo­rista, mas o debate sus­ci­tado é sem­pre salu­tar por­que nos faz pen­sar que as coi­sas não são neces­sa­ria­mente do jeito que são. Faz parte do cerne ideo­ló­gico da esquerda a noção de que nada é para sempre, nada é sagrado, nada está escrito em pedra. Ques­tio­nar não é só possível, mas preciso. Pois a democracia somente pode resistir enquanto for possível apontar o dedo para as falhas do sistema, e seus conflitos de valores. A partir do momento em que apontar o dedo se torna impossível, a democracia perdeu seu sentido e se transformou em uma grande farsa, a um passo da opressão aberta.

Exemplo de cartum político disfarçado. Ao aplicar regras “justas” a um combate inerentemente injusto, dada a disparidade dos lutadores, o juiz, enquanto finge ser honesto, favorece o lutador mais forte.

Esses peque­nos ques­tio­na­ment­os, apre­sen­ta­dos atra­vés do humor, mesmo quando des­com­pro­mis­sado, nos levam a ima­ginar outros mun­dos pos­sí­veis, pro­por alter­na­ti­vas, pen­sar fora da caixa, ousar. Romper com o consenso da tradição abre novas possibilidades não só para a arte, mas para o próprio progresso da sociedade. E esse tipo de questionamento pode estar até mesmo nos locais menos esperados, como no cartum do Amigo da Onça que satiriza o absurdo de se esperar que quaisquer duas pessoas, sob regras supostamente neutras, possam competir. Uma ideologia antiga, muito em voga ainda hoje.

O humor de direita, porém, não procura nada disso. O humorista de direita é adepto do humor pelo humor, seguindo a filosofia de outro ditado latino: Ars gratia artis (a arte pela arte). Para o humorista conservador, o riso é sempre mais fácil quando se segue o pensamento majoritário. Ficar dentro da caixa é sempre seguro. Mas, se os caminhos conhecidos só nos levam aonde outros já foram, pelo menos sabemos que certos caminhos nos levam a certos lugares aonde não queremos ir, ou queremos?

Uma das formas características do humor de direita é a apresentação estereotipada de minorias que já são alvo de preconceito, como ocorreu, por exemplo, no blackface da comédia americana e nos cartuns através dos quais o nazismo desumanizou os judeus.

Nenhum este­re­ó­tipo é bom, mas alguns cer­ta­mente são pio­res do que os outros. Refiro-me aos que se tor­nam exces­si­va­mente popu­la­res. Este­re­ó­ti­pos são rótu­los e, como tal, des­uma­ni­zam os indi­ví­duos, negando suas par­ti­cu­la­ri­da­des. Se des­uma­ni­za­mos alguém, seja qual for o motivo que nos anime a isso, tor­namos cada inte­grante deste grupo social mais vul­ne­rá­vel. Des­qua­li­fi­ca­mos suas pre­ten­sões, cas­tra­mos suas rei­vin­di­ca­ções, limi­ta­mos o alcance de seu dis­curso. A des­uma­ni­za­ção atra­vés do este­re­ó­tipo facilita a violência. Mas, em alguns casos, pode ser utilizada para desqualificar até mesmo as pessoas de fora dos grupos atingidos quando simpatizam com o sofrimento imposto a outros seres humanos.

O humor de direita se torna, então, um instrumento de opressão ideológica, porque, abaixo de sua fina capa de neutralidade (“humor é só fazer rir”) ele resvala para a repetição do discurso prevalente, através do emprego de estereótipos e preconceitos que correspondem a padrões arquetípicos: piada “de português”, “de papagaio”, “de negro”, “de bicha”, “de maconheiro”, “de corno” etc. E esse não é o único vício que transforma o humor de direita em um instrumento reacionário: mais do que repetir estereótipos espontâneos que refletem a inércia cultural da sociedade, não é incomum que esses humoristas, prontos a desqualificar a visão de mundo oposta à sua, funcionem como veículo de um discurso deliberado, ajudando a praticar uma lavagem cerebral muito nociva à sociedade e ao mundo como um todo. Como se vê no cartum abaixo, produzido nos Estados Unidos no começo do século XX:

Tio Sam, um austero mestre-escola, dirige sua classe, formada pelos Estados Unidos, no dia em que recebe quatro novos alunos: As Filipinas, o Havaí, Porto Rico e Cuba.

Notem que o aluno negro não estuda, mas limpa as janelas, o índio está de castigo, lendo a cartilha de cabeça para baixo, e um outro aluno negro, não identificado, está fora da sala de aula. No quadro negro estão quatro frases: “O consentimento dos governados é uma coisa boa em teoria, mas muito rara na prática”, “A Inglaterra tem governado suas colônias com ou sem o seu consentimento. Por não esperar o seu consentimento, ela avançou grandemente a civilização mundial”. “Os Estados Unidos devem governar seus novos territórios com ou sem o seu consentimento até que eles possam governar-se a si mesmos”.

Alguns que me leem talvez nunca consigam entender porque este cartum é odioso. Espero que estas pessoas um dia compreendam, porque um mundo no qual a maioria dos leitores ache graça de um cartum como o acima transcrito é um mundo no qual nunca haverá esperança de paz. Podem prender, podem bater, podem matar, mas sempre haverá mais violência à espera.

2 thoughts on “O Humor, à Direita e à Esquerda

  1. Que lixo de texto petista. Não existe humor de esquerda nem de direita, o que existe é humor bom e ruim, não importa o lado político. O que acontece é que se o humorista atacar o partido dominante do país ele é taxado como o humorista do mau.

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