O Conversador

Eu tenho a mania de conversar sozinho, mentalmente. Só que as vezes eu esqueço esse cuidado e começo a sussurrar. Quando percebo que isso aconteceu, olho em volta e começo a assobiar. Eu não sei assobiar.

Quando eu converso sozinho, costumo fazer muitas perguntas a mim mesmo. Nem sempre sei as respostas de todas. Então insisto nas perguntas. Tento responder em vão, perco a paciência comigo mesmo por não ter respostas satisfatórias. Algumas vezes me ofendo e fico de mal por vários dias, até recomeçar a conversar, meio envergonhadamente.

Eu tenho a mania de, quando estou explicando alguma coisa a alguém, repetir o que já havia dito antes. Não é que eu ache que a pessoa não entendeu, é que há momentos em que eu acho que eu mesmo não entendi. É como se minha voz soasse estranha, as palavras significassem algo diferente do que eu queria dizer, então eu repito, geralmente em voz mais baixa, para testar se a língua ainda está funcionando corretamente, ou se de alguma maneira a gramática quebrou ou a fonética derreteu.

Quem tem mania de conversar sozinho, mentalmente, às vezes esquece que não está sozinho, ou esquece do mentalmente. Quando percebo isso, tento repetir o que havia dito, mudando algumas palavras, fingindo que me dirigia a quem me surpreendeu. “O que você acha disso?” Quem ouviu não sabe, quase nunca, se a pintura corporal dos indígenas norte-americanos tinha padrão semelhante à dos caiapós, se realmente vampiros e lobisomens são versões de um mesmo mito que evoluiu pelos séculos ou se Nietzsche decretou ou lamentou a morte de Deus. Então dá vontade de assobiar.

É algo frequente que eu saia de lugares fechados assobiando. É possível que, se você entrar lá, encontre alguém assobiando também, ou possuído de um olhar confuso e assustado.

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