Retornado do FELICA

Tal como no ano passado, compareci ao Festival Literário de Cataguases. Este ano, além de tietar eu também tive a oportunidade de falar umas bobagens com um microfone na mão enquanto alguém filmava para pôr no sítio oficial. Ao meu lado estava Miklós Palluch, que também estreia no romance, como eu, mas — ao contrário deste mineiro interiorano — padece de muito mais cultura, experiência de vida e contatos. Fiquei bastante feliz de ver que minha campanha de divulgação foi relativamente bem sucedida. Embora tenha […]

O Melhor, o Médio e o Pior

Ontem meu amigo Ronaldo Brito Roque, uma dessas inexplicáveis criaturas de Cataguases, brindou aos seus seletos leitores com um texto que realmente é destes que me dá vontade de ter escrito. Tenho isso, às vezes: leio alguma coisa e penso comigo que eu precisava ter sido o autor daquilo. O texto em questão é um delicioso conto sobre um restaurante que só serve três pratos; intitulados “o melhor”, “o médio” e “o pior”; e as reações dos fregueses a tal estranho cardápio. Nas mãos de […]

Para Escrever uma Autobiografia

Estávamos conversando despreocupadamente entre uma cerveja e outra quando o meu amigo me olhou, pensativamente, e disse, com a gravidade de quem profere um aforisma de Nietzsche:  — Acredito que você precisa começar a pensar em escrever a sua autobiografia. A frase, assim dita, me pegou de surpresa. Nunca pensara em tal possibilidade, muito embora, na imaginação das pessoas da família e da maioria dos amigos, todas as histórias que escrevo são autobiográficas — o que prova que sou mesmo louco. — Não posso, Flávio. A minha […]

Quanto Você Quer Pagar?

Quanto você pagou pelo seu dia de hoje? Nada? Tem certeza? Provavelmente você está enganado, tanto quanto eu estive durante décadas perdidas de minha vida. Cada dia que você vive está pago, e muito bem pago, com uma moeda cujo valor subjetivo é maior que o do dólar e o do iene: a liberdade. É com liberdade que você paga por lhe terem deixado vivo mais um dia. Com ela você comprou, indiretamente, o pão e o café que o prepararam para outra jornada. Esta, […]

As Visitas

Meus olhos percorriam preguiçosamente a sala, retendo-se em detalhes que eu já conhecia muito bem, apenas para terem o que olhar, porque a minha ansiedade me embaraçava e as minhas visitas insistiam em não ir embora, ainda que eu não lhes oferecesse nada. Acredito que sou bom, mas não há crente que resista à presença de visitas que querem comover-nos com lembranças num momento em que preocupações materiais se interpõem entre os sentimentos e os fatos. Difícil suportar perguntas que querem mostrar uma súbita consideração, […]

O Tesouro de Sérgio

Eu sou dos que não sentiram nunca pelo Sérgio nenhuma afeição especial. Na verdade eu pouco menos que o desprezava desde que o conheci. Mal lhe dava motivos para chamar-me de amigo. Mas ele me chamava assim, talvez por falta de verdadeiros. Era seu jeito auto-suficiente o que mais me indignava. Não era dado a intimidades, raramente sabia dizer palavras simpáticas e parecia que tinha prazer em desdenhar de tudo. Mas aos poucos foi-se consolidando entre nós um certo tipo de amizade que a convivência […]

O Sarau do Valdir

>Texto classificado para a fase final do II Festival Cultural Banco do Brasil — Mulher, não é justo. — O que não é justo, Valdir? — Tinha que chover? Justo hoje, agora!? A mulher deu de ombros, conformada: — Paciência. Marque para outro dia. — Como assim? «Marque para outro dia»? Vendi convites, reservei bar. Não dá para desmarcar em cima da hora e «marcar para outro dia». Vai ser um fiasco. — Então enfrente, homem. — É o que vou fazer. Então Valdir deixou a mulher em casa com as crianças […]

Pastoral aos Descrentes no Amor

Tudo bem, agora que a paixão esfarrapou e o perdão nos violou. Agora que temos a paz com as mentiras queridas. Se o amargo de antes não vem à tua boca, e nenhuma secura sobe de teu ventre vazio com acusações fatais. Agora que montamos com sobras e refugos de sentimentos falidos esse teatro de sombras. Compraram-te na quinta oferta que lhe fizeram e achaste meritório ter resistido devidamente às quatro primeiras. Agora estás vendida e satisfeita com o preço, ou pelo menos precisa crer […]

Comerciamante Triste das Horas Rasas

O amor de Noêmia é súbito e simples, alívio de dívidas e dúvidas que doem. Espera que açoitemos sua carne rude com nossas vontades incultas e cruas. Sua passagem aromática pela praça traz promessas e segredos aos jovens e somos expostos ao beijos que esparge, complexas gotas de trevas que escapam de seu sorriso assimétrico e rígido e escorrem por suas carnes estreitas pelas descontinuidades e curvas. O amor de Noêmia é nota de amargo e seu sorriso, incensado e insincero. Nota-se desespero no cálculo […]