O Telefone

Meu primeiro texto de ficção fantástica, datado de 2005 ou pouco antes, incorporando elementos, então ainda bem vivos, das minhas impressões da primeira viagem aérea. Pensei no aparelho tranquilamente pousado à cabeceira da pista, reluzindo sua pintura branca sob o sol atípico daquela tarde de inverno nebulosa e morna e me acalmei. Depois o vi taxiar paquidermicamente em direção ao setor de embarque, sob os olhares tensos dos passageiros ainda indecisos se embarcariam ou não. Deteve-se ali, resfolegando como uma ave mitológica, até que todos […]

O Fascínio do Latim

Os homens de lodo e de sono aguardam o fim da última vela repetindo com vozes defuntas suas preces de cor sem sentido. O fascínio do latim está perdido e a força do fantástico apagou-se, nenhum Aquiles romperá o nada para lutar contra palavras ocas. A Torre de Marfim sofreu o golpe, os que nela vivem se espantam, mas as plantas crescem sem Platão e os pássaros não ouvem Nietzsche. De dentro do esterco nasce a rosa, de dentro dos ruídos, porém, nada. Nada nas […]

Literatura e Política: Para Todos e Para Ninguém

Nietzsche colocou em seu livro “Assim Falou Zaratustra” um subtítulo interessante: “um livro para todos e para ninguém”. Trata-se de uma declaração quase esfíngica: como um livro pode, ao mesmo tempo, ser destinado a todo mundo e a ninguém? A solução do enigma surge quando você analisa o livro em si, pelo seu conteúdo e pela sua forma. Quanto à forma, é um livro para todos devido ao estilo bíblico e linear da narrativa (sim, embora escrito por um filósofo, trata-se de uma narrativa): supôs […]

No Pomar, Entre Pés de Laranja

Nisto que chamam mudez escondi meu cemitério, é nos signos antigos que ficam velhos pecados guardados. Não há porque pecar de novo, as velhas festas se foram e os desejos não ardem mais. Não há porque tentar de novo com palavras provisórias porque não têm o peso de antes. A velocidade não me seduz, todo esse ruído é intragável, espero é que caia chuva no pomar, entre pés de laranja, para que frutifiquem as flores. Existe beleza nas gotas e seu terno ruído contado, nisto […]

O Mistério de «Juninhuuu» Prestes a Cair

Um mistério do Orkut de quase dois anos está prestes a terminar: a identidade de “Juninhuuu Ribeiro”, um fake que postava na comunidade Novos Escritores do Brasil um tópico intitulado “A Minha Saga”, no qual contava as aventuras pornográficas e escatológicas de um alter ego picaresco e inverossímil. Famoso pela “cheirada”, pelo “gol anal” e ereção no teatro; Juninhuuu era uma espécie de mascote da N.E.B., pelo menos enquanto a brincadeira teve graça (e a própria comunidade). Muito bem, até aqui eu falei muito sobre […]

A Montanha

De qualquer ponto da cidade se pode ver a Montanha com sua ampla face de granito, uma larga presença a esconder o horizonte. Seu cume coberto de ralas árvores e rochas menores não é tão imponente, a não ser por estar tão alto. Subindo imponente como uma muralha, firmeza de séculos, sem flores nem poemas, é mais que um acidente geográfico, tornou-se parte da personalidade de Santa Cruz do Monte. Ao pé da montanha cresceu a cidade, contemplando o granito e se agarrando à lama […]

Uma Luz Rosada

Acabei de abotoar o cinto e tomei o resto da água mineral gelada para tentar ainda relaxar. Não seria difícil aquela noite, não era nunca muito difícil, mas a cada noite eu sentia que o controle das coisas me escapava, como se uma mão invisível estivesse puxando a corda que Deus me havia dado. Eu era um ladrão, não tinha vergonha disso, e estava prestes a cometer outro roubo. Desci do carro e comecei a caminhar. Meus sapatos de sola de borracha macia rangiam gostosamente […]

Porque o Orkut fracassou como Plataforma de Conteúdo

Esse ano, no Orkut, lá em princípios de julho de 2010, durante [mais uma] das crises da comunidade Novos Escritores do Brasil, eu fui expulso — e todo o meu trabalho em prol da comunidade, a dedicação de dois anos quase, desapareceu de um minuto para o outro, como se nunca tivesse existido. Desde então, quem entra naquela comunidade ignora quem tenha sido José Geraldo Gouvêa. Isso me serviu de alerta pungente para algo que eu já estava percebendo há muito tempo, mas que relutava […]

Nossas Escolas Odeiam os Livros

Os professores brasileiros odeiam livros. Desde pequenos os alunos são ensinados a odiar livros e revistas. Não existe uma classe sequer de primário na qual os alunos não sejam ensinados, quase diariamente, a destruir revistas e livros “velhos” para fazer cartazes. Esses pobres livros e revistas são sacrificados como cobaias em nome do conhecimento. Crescem as crianças acostumadas a meter a tesoura no papel impresso. Ao mesmo tempo, temos a apostila, essa descartável publicação que todo ano se renova. A apostila é o conhecimento compactado, […]

Dadaísmo Para Todos: O Apocalipse da Literatura Vem Aí

Talvez você nunca tenha ouvido falar da Máquina Dadá (“The Dada Engine“), mas este curioso software feito por um grupo de adolescentes americanos é uma das coisas mais revolucionárias em termos de literatura nos últimos cinquenta anos. O impacto de sua existência ainda não foi percebido porque ele ainda é relativamente difícil de configurar e de usar, mas no dia em que escrever uma gramática e um dicionário para um programa análogo à Máquina Dadá, metade da produção literária e musical do século XX deixará […]