A Difícil Facilidade da Escrita

Escrever não é fácil. Se fosse fácil, redação não seria o terror dos estudantes. E não é que a língua portuguesa seja mais difícil que as demais (nada é fácil para quem não domina), mas, sim, que o domínio funcional da língua não implica em domínio criativo: este é o mais alto dos níveis de proficiência em qualquer idioma, fácil ou difícil. Portanto, fazer literatura, embora pareça “fácil” ao olhar leigo, é tão difícil quanto pintar, consertar automóveis ou dançar balé: todas estas atividades requerem […]

Sobre Inveja e uma Crítica “Razoável”

Minha recente apreciação, ou melhor, “depreciação”, da obra do tal Raphael Draccon atraiu pelo menos uma contestação. Segundo certo comentarista no blog LitFanBR, que reproduzira minha postagem, a crítica que eu fiz à obra de Draccon teria sido motivada pela “inveja”, entre outras considerações. Este post não pretende desqualificar os citados comentários, mas apenas esclarecer alguns pontos levantados, em alguns casos até admitindo a validade do que o comentador pontuou. Sim, você ESTÁ com inveja dele. Seja por ele ganhar dinheiro ou pelos livros dele […]

A Heresia da Pizza Caseira

A pizza é um alimento dos deuses. Não digo isto porque seja excepcionalmente deliciosa, mas porque são necessários atributos (e equipamentos) verdadeiramente divinos para prepará-la. Equipamentos que só existem em templos sagrados onde vermelho e verde combinam. Tentar organizar um culto doméstico desta iguaria é um sacrilégio recompensado com desastre. A humanidade desenvolveu várias tentativas de retirar a pizza de seu caráter sacro e permitir o preparo profano, mas todas estas tentativas redundaram em vão. A menos que você tenha um sacerdote pizzaiolo na família […]

O Rei [da Literatura Fantástica Nacional] Está Nu

A vaidade é um pecado, segundo o Eclesiastes, que reinou em Jerusalém. Pessoas contaminadas por ela cometem os maiores enganos sem perceberem que estão em equívoco, porque a vaidade produz a dissociação da realidade: o vaidoso perde a capacidade de realizar uma avaliação isenta do mundo. Talvez por isso queira se cercar de um séquito de admiradores. Não só porque a adulação reconforta, mas porque a vaidade se completa no elogio. O vaidoso faz é apenas um meio para ordenhar a simpatia desse séquito. Não […]

Engenho e Arte

> Cantando espalharei por toda parte, > Se a tanto me ajudar o engenho e arte. > — Camões. Um dos temas recorrentes nas comunidades virtuais de escritores é a dico­tomia entre talento e técnica, muito embora eu suspeite que tal controvér­sia floresce mais naqueles que não exibem nenhuma das duas coisas. Grosso modo, esta é uma polêmica entre pessoas que acreditam que o mais importante é possuir um tipo de predestinação para a arte e outras que estão certas de que se pode adestrar […]

O Crítico e os Crânios de Cristal

Uma das principais características da mediocridade é o seu amor pela unanimidade. O medíocre, não sendo capaz de causar emoções duradouras e conquistar afetos sinceros, tem verdadeira paúra de ter apontados os seus defeitos. Ele ama e deseja um ambiente confortável de camaradagem e reciprocidade, “eu coço as suas costas e você coça as minhas”. Nesse ambiente se busca o aplauso, a maioria é o poder legitimador e uma simples curtida dada por um “mestre” é exibida como um troféu. Uma das funções mais importantes […]

Os Novos Autores Não Servem para Nada

Pelo menos é isso que pensam os que se propõem a publicar versões “facilitadas” da obra de Machado de Assis para atingir a um público que não o leria por causa da dificuldade do vocabulário, supostamente. Evidentemente, a ninguém ocorreu que, para aqueles que não alcançam prateleira onde olimpicamente repousam os clássicos, existem outros autores, que não são clássicos e apresentam um vocabulário mais acessível aos leitores de hoje. Estou falando, claro, dos novos autores da literatura nacional, que, aparentemente, não servem para nada, nem […]

Phantasmagoria

Guilherme construíra a sua casa sobre as ruínas desconhecidas que ocupavam um excelente terreno urbano. Doze trabalhadores com suas máquinas removeram os restos, arrancaram os arbustos e aplainaram cada metro de chão. A construção teve percalços porque havia quem achasse certa importância histórica no lugar, mas não foi longe a questão: a casa estava esquecida, parecia impossível de recuperar e tinha uma fama de assombrada.

Gelo Negro

Fjálar saiu de casa ainda em jejum em outro dia cinzento de outono. Não estava feliz, haviam ligado da delegacia avisando que Oláfur não fora tra­balhar e teria de fazer a patrulha matinal com algum novato. Dormira mal. Doíam-lhe os joelhos, doíam-lhe as costas, doía-lhe a alma. Tudo de que não pre­cisava era tentar acompanhar um novato ani­madinho. Por isso regurgitou algumas ofensas ao maldito beberrão e seus antepassados. Ele estaria cer­ta­mente em casa de ressaca, depois de outra noite de apostas e de envolvimentos […]

Agora que a Máscara Caiu

Terminado o concurso de novembro da “Entre Contos”, a identidade secreta do autor de “Gelo Negro” foi revelada, e agora estamos prontos para algumas reflexões que se fazem necessárias. A esta altura muitos dos leitores já deverão ter percebido algo de estranho neste conto — os comentários indicam que alguns deles acertaram o alvo. Acho que cabe, agora, prestar alguns esclarecimentos, se bem que eu não acredito que serão lidos. Este texto é uma sátira “Gelo Negro” foi concebido como uma tese para demonstrar a […]