Tempo de Semear, Tempo de Colher

Estas montanhas têm uma história, desde os tempos dos índios, desde antes do primeiro português cortar a primeira árvore. Eles vieram, viveram, morreram, viram o mal que havia e se foram, ficaram apenas alguns pobres puris isolados, entocados quase como bichos. Vieram os emboabas a caminho das minas, tentaram fixar-se aqui, mas não ficou nenhuma vila, queimaram todas as casas, sumiram no tempo como se nunca tivessem pousado, e a estrada real passou ao largo.

O Jurado de Carvalho

Semanas depois de protagonizar o terceiro escândalo sucessivo relacionado ao Prêmio Jabuti, o “Jurado C”, o crítico paulista Rodrigo Gurgel, finalmente [deu a sua versão](http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1194742-o-sistema-literario-brasileiro-esta-doente-afirma-jurado-c-do-jabuti.shtml) dos acontecimentos. Foi justo a imprensa dar-lhe voz, depois das semanas que passou sendo [malhado](http://letraseletricas.blog.br/lit/2012/10/e-la-vem-o-jabuti-de-novo) como judas em Sábado de Aleluia. O crítico teve sua oportunidade de dar suas opiniões, justificando-se ou não. Muita coisa ficou esclarecida, mas em outros casos a emenda foi maior estrago que o pé quebrado do soneto. Com a autoridade de ser a nulidade literária que sou, atrevo-me a comentar o que ele disse, mais uma vez me esmerando em meu trabalho de queimar todas as possíveis pontes que me fizessem cruzar o Rubicão literário.

Colonização Subliminar

Um humorista, não me lembro se britânico ou americano, certa vez definiu “colonização” como o processo através do qual um povo “insere” dentro de outro algo, que pode ser uma comunidade imigrante, uma indústria multinacional, um regime de governo ou outra coisa, e o faz de forma tão profunda que o povo “colonizado” passa a levar aquilo dentro de si, imperceptivelmente. À parte o caráter escatológico e sexual desta metáfora, ela serve bem para mostrar como, em pequenos gestos, as pessoas vitimadas pelo lento e […]

Impressões Deixadas por “Stalker”, de Andrei Tarkovsky

Ontem, já no comecinho da madrugada, terminei de assistir, via YouTube, o filme “Stalker”, dirigido Andrei Tarkovsky, filmado em 1979, a partir de roteiro escrito pelo próprio diretor, baseado no romance “Piquenique na Estrada”, dos irmãos Bóris e Arcádio Strugatsky, gênios da ficção científica soviética. Romance este que eu já havia comentado elogiosamente aqui, não faz muito tempo.

As Diferentes Velocidades do Mundo

Ninguém vivia muito tempo para prestar atenção ao tempo, que era sempre o presente, cada vez que amanhecia. Significava que a noite terminara sem o encontro de uma fera, sem as garras gélidas da terra rasgarem. O passado só existia através do mito, das coisas acontecidas ninguém sabia quando, nem onde, nem com quem. O mito também era uma espécie de tempo coagulado, cíclico, interminável. Alguém poderia pensar que era horrível ser um deus, e ter que refazer a criação do mundo sempre, ter que viver sempre a fazer as mesmas coisas.

Largar Tudo e Sumir

Uma amiga postou hoje “numa rede social” (estilo Rede Globo de mencionar não mencionando) que estava com vontade de largar tudo e sumir. Minha primeira reação ao ler o seu comentário foi um pensamento singelo: por que pensamos sempre que, antes de fugir, temos de largar tudo. O que é esse “tudo” e o que representa esse “largar”? Fugir para onde?

O Ódio à Poesia

Acabo de me deparar no Facebook com alguém compartilhando a pequena história em quadrinhos acima. Logo que a li percebi que ali havia assunto para mais do que meramente um “Curtir” ou um “Compartilhar”, mesmo porque não me senti impelido a nenhuma das duas coisas. Como aquela rede social não é muito receptiva a elucubrações mais compridas, preferi postar aqui, mesmo sabendo que menos gente lerá, curtirá ou compartilhará. > Texto escrito em 2012 como resposta à divulgação de uma tirinha em que se manifestava […]

O Poetinha, o Maconheiro e a Ivete

O poetinha desceu do ônibus já suado e despenteado. O óculos empenado na cara, a camisa amassada pela viagem desajeitada, a umidade incomodando por debaixo da roupa, o hálito amargo devido ao nervoso e ao fígado. Bateu no peito para ter certeza de que seu poema, copiado com capricho na velha máquina de escrever, se encontrava ainda intacto. Não estava: tanto suor o amolecera. Retirou-o do bolso e desdobrou com cuidado, quase com lágrimas. O mesmo calor que o molhara não o secaria. Xingou algum […]